Quando um casal com filhos opta pela separação, nem sempre há um consenso a respeito da partilha de bens, guarda e pensão das crianças. Dada a incapacidade de diálogo, o problema familiar segue para a justiça, onde as pessoas envolvidas terceirizam a resolução dos próprios problemas. Mas, por vezes, a sentença é insuficiente para acabar com o conflito, já que não raro um lado sai descontente ou descumpre a determinação acordada.

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Atentos à cultura da judicialização vigente, à reincidência de processos judiciais e ao novo Código de Processo Civil, que torna obrigatória a audiência de mediação de conflitos e estimula o uso de novas técnicas para facilitar o fechamento de acordos, pelo menos quatro varas de comarcas de Santa Catarina — em Florianópolis, Blumenau, Gaspar e Camboriú — estão investindo em terapias alternativas para a resolução de conflitos. Trata-se da aplicação da constelação familiar sistêmica, uma abordagem psicoterapêutica criada pelo filósofo alemão Bert Hellinger (leia mais abaixo) que permite um novo olhar sobre um desacordo.

Em setembro do ano passado, a juíza Vânia Petermann, da Vara da Família no Norte da Ilha, em Florianópolis, foi pioneira nesse trabalho no Estado ao sugerir uma sessão coletiva denominada Conversas de Família antes das audiências. Nesse encontro de aproximadamente duas horas a que o Diário Catarinense pôde participar, as partes envolvidas em processos de separação são convidadas a “constelar” a partir da ação de um psicólogo especializado.

Quem aceita, narra ao terapeuta em poucas palavras o aspecto central da dificuldade que está vivenciando. Na sequência, observa voluntários desconhecidos fazerem o papel dos envolvidos na própria história. Apesar de assemelhar-se a um teatro, não há roteiro, nem tempo pré-estabelecidos. O “constelador” faz perguntas aos representantes, que respondem sobre o que estão sentindo naquele contexto. Na cena, eles são movidos por impulsos inconscientes guiados pela emoção, que surgem durante a sessão. A ideia é que o diálogo entre as partes seja restabelecido e, consequentemente, o impasse solucionado.

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Cleomar Batista de Lima, 26, passou pela experiência recentemente. Depois de um término de relacionamento conturbado, foi impedido de ver o filho recém-nascido por nove meses. Acabou entrando na justiça para que pudesse conhecê-lo. Foi quando passou por uma constelação familiar e observou a mudança em si refletir-se no contexto.

— Via as coisas de uma forma e, depois, de outra. Percebi que eu só olhava o meu lado, não olhava o lado dela. Na verdade, eu estava olhando para uma perda do meu pai, que me impedia de olhar do jeito que eu deveria olhar para o meu filho. Acabei desistindo e anulando o processo. Agora, resolvemos tudo na conversa, de forma menos desgastante.

Como resultado, o homem acabou se mudando de Florianópolis para Brasília a fim de aproximar-se do herdeiro. A psicóloga e facilitadora de constelações familiares Scheila Ortiz explica o efeito:

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— Quando a pessoa enxerga sua vida de fora, através de representantes, ela consegue se dar conta com mais facilidade do caminho tanto do problema quanto da solução — salienta.

Responsável pelo caso e pela primeira comissão de Direito Sistêmico na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eunice Schlieck acredita que este seja um novo momento para os juristas. Na concepção dela, o novo Código de Processo Civil impõe uma atuação mais responsável do advogado para que não haja prejuízo às partes, nem se acumulem processos na Justiça.

— A abordagem sistêmica, ou seja, a compreensão da filosofia hellingeriana, nos ajuda a tomar consciência de como a gente se posiciona diante da situação apresentada pelo cliente. Permite que a gente não se misture com a emoção, não se identifique com aquilo. E aí é possível ter uma postura mais assertiva diante da condução do processo como um todo.

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Resultados na justiça de SC

Somente na corte da Capital, cerca de 240 pessoas com processo judicial em curso já participaram da constelação. Por enquanto, não há estatística que dê conta de comprovar a eficácia da técnica terapêutica no judiciário catarinense — como existe no fórum de Leopoldina, no Rio de Janeiro, onde o número de acordos subiu de 55% para 86% depois que 300 processos passaram pela constelação no ano passado —, mas os relatos de quem atua nesse sentido, mesmo que de forma incipiente, são positivos.

Em Gaspar, a juíza Liana Bardini, da Vara da Família, Infância, e Juventude de Gaspar passou a investir na abordagem sistêmica em agosto. Já no primeiro encontro, viu a reaproximação de um casal que nem conversava entre si, mas, ao final da constelação, foi capaz de encontrar um meio-termo para a própria situação.

— Já fizemos quatro acordos em duas oficinas. A grande vantagem é que, como as partes chegam elas mesmas a um acordo, não vêm novamente à justiça. Deixam de colocar a responsabilidade no judiciário — explica a jurista.

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Atualmente passando por uma formação em constelação familiar, a juíza Karina Müller Queiroz de Souza, da 1ª Vara Civel de Camboriú, está buscando uma pessoa qualificada na técnica para auxiliá-la nas sessões. Enquanto não encontra, garante estar baseando a análise processual dos casos que responde nas três leis do amor (leia mais abaixo) estipuladas pelo criador da constelação familiar que, em alemão, significam colocação (dos papéis) familiar.

— Passei a ver o processo e as partes a partir do sistema familiar deles de modo com que eles consigam perceber o que levou-os a demandar em juízo. Para que todos olhem para além da própria briga. Porque a sentença não é a solução para o conflito. Entendo que nem todos estão prontos para essa abordagem. Cada família tem seu tempo, o que eu respeito. Caso não seja possível dessa forma, dou sequência ao processo instruindo, ouvindo testemunhas e produzindo provas — salienta.

Respaldo do CNJ

A constelação familiar sistêmica está em conformidade com a resolução do Conselho Nacional de Justiça 125/2010, que estimula práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos de interesse do Poder Judiciário. A técnica vem sendo utilizada como reforço prévio às tentativas de conciliação em pelo menos 14 estados. Quem inaugurou a abordagem no país foi o juiz baiano Sami Storch em outubro de 2012. Ao observar mais eficácia na resolução de conflitos familiares, inclusive aqueles considerados difíceis, que tramitam há anos, agora o magistrado pretende ampliar a aplicação para outras esferas. 

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— A constelação também está facilitando muitos casos que não dependem de conciliação. Na área criminal, por exemplo, tem dado muito certo. Para execuções penais, facilitar o processo de progressão de pena e diminuir reincidências. E também na área empresarial, infância e juventude, a constelação pode ir além de um método de conciliação — defende. 

Após participar de um workshop com o jurista da Bahia, a juíza Simone Faria Locks, da Vara da Infância e Juventude de Blumenau, também acredita na assertividade da abordagem em casos que envolvem crimes praticados por menores de idade. 

— Nas minhas audiências, aplico alguns métodos da constelação com testemunhas, adolescentes infratores e famílias. E também quando vou tomar um depoimento, dar algum conselho. A ideia é que os litígios vão sendo resolvidos de forma pacífica e conciliadora — acredita. 

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Em SC, a advogada Eunice Schlieck criou uma comissão pioneira na Ordem dos Advogados do Brasil para dar base a ações como a constelação no judiciário: a de Direito Sistêmico Foto: Cristiano Estrela / Diário Catarinense

A CONSTELAÇÃO

Criada em 1980 pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger, a técnica da constelação familiar consiste em uma nova abordagem da Psicoterapia Sistêmica Fenomenológica. Permite a reconstrução da árvore genealógica de uma pessoa que possui um problema a partir de um desenho vivo, energético e sensorial. A ideia é que sejam visualizados e, posteriormente, dissolvidos antigos padrões (como conflitos e até mesmo doenças) que se repetem e impedem o livre fluxo de amor entre os membros de um sistema familiar. A solução torna-se possível quando a ordem básica sistêmica é restabelecida, os familiares excluídos voltam a ser respeitados e a herança familiar é aceita.

AS LEIS DO AMOR

Hellinger descobriu alguns pontos esclarecedores sobre a dinâmica da sensação de “consciência leve” e “consciência pesada”, e propôs uma “consciência de clã”, que se norteia por “ordens” arcaicas simples, que ele denominou de “ordens do amor”. O filósofo também demonstrou a forma como essa consciência enreda inconscientemente uma pessoa na repetição do destino de outros membros do grupo familiar. Essas ordens do amor referem-se a três princípios norteadores:

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1 – Pertencimento: a necessidade de pertencer ao grupo ou clã;
2 – Equilíbrio: a necessidade de equilíbrio entre o dar e o receber nos relacionamentos;
3 – Hierarquia: necessidade de hierarquia dentro do grupo ou clã.

Para Hellinger, as ordens do amor são forças dinâmicas e articuladas que atuam em famílias ou relacionamentos íntimos. A desordem dessas formas é percebida sob a forma de sofrimento e doença. O fluxo harmonioso, por sua vez, aparece como uma sensação de bem-estar no mundo.

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