O ouvidor nacional da Secretaria de Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira, e o juiz Alexandre Takaschima, vão cobrar a contagem dos tiros de borracha disparados e o número de presos feridos na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis.

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Bruno disse ter confirmado a existência de 70 presos machucados. Ele também apontou uma série de negligências na unidade, desde o atendimento dos detentos à segurança do local.

A inspeção do ouvidor, que está no Estado desde segunda-feira para apurar as condições do sistema prisional catarinense, durou quatro horas, na terça-feira, e transcorreu sem a presença de jornalistas, que não puderam entrar na prisão.

Ao final, o ouvidor e o juiz Alexandre Takaschima, da corregedoria do Tribunal de Justiça, afirmaram ter constatado as principais denúncias dos familiares dos presos, como a de que havia lesionados.

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Os dois disseram ter recebido dos presos, nas celas, diversas cartuchos de balas de borrachas disparadas pelos agentes. O juiz Takaschima relatou que a contagem desses cartuchos deflagrados e a de presos lesionados será decisiva para esclarecer as denúncias de tortura.

– A corregedoria do Deap não soube dizer ao certo qual o número de cartuchos deflagrados. Por isso, a contagem. Queremos ter todas as versões, do Deap, presos e das inspeções – ressaltou o juiz.

O magistrado informou que não há controle na prisão do armamento não letal. Ele mandou apurar se houve negligência pela direção da Penitenciária ou do Deap numa primeira visita do juiz da Vara de Execuções Penais de São José no local, feita há duas semanas.

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Ele suspeita que houve algum problema em uma chamada nominal feita aos presos naquele momento para identificar se havia lesionados ou não – a confirmação de 69 machucados só se deu depois, em uma segunda visita, desta vez por uma força-tarefa estadual. Com a suposta negligência, os exames de corpo de delitos sofreram demora e as denúncias demoraram para serem confirmadas.

O grupo recebeu relatos também dos próprios agentes penitenciários, no que se refere a falta de efetivo, e avalizaram as queixas. Desde segunda, os servidores fazem operação padrão, o que gera suspensão de alguns atendimentos. As visitas e o banho de sol estão suspensos.

Nesta segunda-feira, havia apenas oito agentes cuidando de 1,2 mil presos. Para o juiz Takaschima, é como se um agente cuidasse de uma UPA (Unidade Prisional Avançada) com 120 presos, o que é preocupante.

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O ouvidor anunciou que vai monitorar o resultado das apurações e também cobrar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a suposta morosidade no julgamento de outro caso de tortura na penitenciária, ocorrido em 2008.

Ouvidor almoça em quiosque de ex-detento

Um quiosque embaixo de uma árvore, a dois quilômetros da Penitenciária, conhecido como ponto de encontro do grupo de familiares à espera de notícias dos presos que estão na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, foi o local do almoço do ouvidor nacional de Direitos Humanos, Bruno Renato Teixeira.

O ponto é administrado por um casal de comerciantes. O dono é um ex-detento. As familiares contam que a dona se diz perseguida por autoridades. Isso porque, há uma semana, o estabelecimento foi fechado pela Polícia Civil por falta de alvará policial. A dona não quis dar entrevista, mas assegurou ter a licença da Vigilância Sanitária.

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– Estão pegando no pé da dona só porque o marido dela, que também é o dono, é um ex-detento. Não tem nada de errado, eles apenas servem almoço, vendem lanche, água, e atendem as visitas, que não têm onde ficar – disse uma das mulheres no Diretoria Lanches e Refeições.

Depois da inspeção, a Van em que estavam o ouvidor, o juiz Alexandre Takaschima e assessores, parou no local onde houve um rápido encontro das autoridades com as cerca de 30 mulheres.

O ouvidor discursou por pouco mais de cinco minutos. Falou em vitória de todas pela participação popular nas denúncias sobre violência feitas ao disque 100 e cobrou mobilização daqui em diante com o procurador-geral de Justiça.

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No final da conversa, às 15h4min, descontraiu o ambiente:

– Estou morrendo de fome – disse, seguido de gargalhadas dos presentes.

Enquanto o juiz Takaschima assumiu o papo com os parentes de presos, o ouvidor entrou na lancheria e comeu arroz com galinha. Antes de se servir, pediu para não ser fotografado. Mais tarde, repetiu o prato e, ao final, indagado pelo DC da situação do bar, disse que a dona acionou o Ministério Público para tratar do impasse.

ENTREVISTA: Bruno Renato Teixeira, ouvidor nacional de Direitos Humanos.

Após a inspeção que durou quatro horas, entre a manhã e a tarde desta terça-feira, na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, o ouvidor nacional de Direitos Humanos, Bruno Teixeira, falou sobre os problemas na unidade.

DC _ Como foi a vistoria?

Bruno Renato Teixeira _ Constatamos um pouco do que os familiares relataram. A questão da saúde é muito grave. Precisamos fazer uma ação para atendimento digno. A superlotação nos preocupa e encontramos algumas negligências, no acesso ao trabalho, que tem de ser melhor discutida. Encontramos diversas munições de armas não letais (balas de borracha) dentro das celas. A assistência judiciária, ali também foi colocada.

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DC _ O senhor constatou que houve violência, tortura a presos?

Bruno _ Bom, todos os que relataram que sofreram algum tipo de violência foram encaminhados para exame de corpo delito. Então estamos aguardando. Confirmou-se os 70 (presos), não se achou outro caso.

DC _ O senhor viu preso machucado?

Bruno _ Vi presos machucados. Lesões frutos de armas não-letais. Todos foram atendidos e devolvidos às celas. Conversei com o pessoal da enfermagem. Foram disparos de armas de fogo.

DC _ Em que situação houve esses disparos?

Bruno _ Os relatos que eles nos colocam que os agentes entraram nas celas e dispararam numa situação de retaliação ao que tinha ocorrido. Essa é a fala dos detidos. Os agentes dizem que havia um movimento para se criar um motim na unidade, o que não foi confirmado pelos presos.

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DC _ Havia algum relato de preso de a violência ter sido suposta retaliação a morte da agente penitenciária (Deise Alves)?

Bruno _ Eles não conseguem fazer essa correlação, mas segundo informações, relatos, eles afirmam que poderia ter sido em virtude disso. Esse processo de tortura, negligências dentro da unidade já existia ao fato anterior ao ocorrido com a esposa do então diretor da unidade (Carlos Alves).

DC _ Alguma informação surgida em relação aos atentados que teriam partido aqui de dentro?

Bruno _ Não. Não ouvi nada nesse sentido e nem caberia à secretaria dos direitos humanos fazer essa indagação aos detentos.

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DC _ Caso se confirma as torturas, que medidas vão pedir?

Bruno _ O pedido de responsabilização de todos os envolvidos. A nossa vinda aqui não se deu para verificar o fato isolado da tortura, mas em que condições esse presídio se encontra e também pedir a responsabilização pela morte da agente Deise.