O juiz catarinense Rudson Marcos, que abriu processo contra mais de 150 pessoas por conta do uso da hashtag “estupro culposo”, alega que o foco da ação é responsabilização por “fake news”. Isto porque o magistrado foi associado a uma expressão que, como ele afirma, “jamais” pronunciou ou escreveu durante o julgamento do suposto caso de estupro sofrido pela influenciadora digital Mariana Ferrer. Entre os processados estão atrizes, apresentadores, influenciadores e políticos.

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O processo movido pelo magistrado, que atua em Florianópolis, foi divulgado em primeira mão pela jornalista Patrícia Campos de Mello da Folha de S. Paulo, nesta terça-feira (23). Segundo a publicação, mais de 160 pessoas integram a lista pelo uso nas redes sociais da hashtag #estuproculposo ou citação à expressão.

“Meu nome estará sempre associado a uma ‘absolvição por estupro culposo’ que nunca ocorreu”, diz juiz do caso Mari Ferrer

Entre os nomes estão Angélica, Ana Hickmann, Marcos Mion, Astrid Fontenelle, Ivete Sangalo, Camila Pitanga, Mika Lins, Tatá Werneck, Patrícia Pilar, e as deputadas Maria do Rosário (PT-RS) e Luciana Genro (PSOL-RS). Plataformas como Google, Uol, O Estado de São Paulo e Organizações Globo também aparecem no processo, que corre em sigilo.

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Em nota enviada ao NSC Total pela advogada Iolanda Nascimento Garay, que representa o magistrado na ação, o juiz afirmou que, como o processo tramita em segredo de Justiça, não é possível mencionar os detalhes. No entanto, ele alega que as ações não têm como foco “limitar a liberdade de expressão ou de imprensa”.

“A motivação para ajuizamento das ações vem a ser a inverdade na associação da expressão estupro culposo ao juiz Rudson Marcos, como se ele tivesse pronunciado ou escrito essa expressão no processo que julgou, o que não ocorreu jamais, tendo isso ficado comprovado judicialmente. Acrescento que o juiz sequer fez alguma referência a algo similar. Tal expediente não foi um mero engano, pelo contrário, foi uma fake news alavancada propositalmente para que empresas e usuários de mídias sociais lucrassem com a repercussão equivocada da referida vinculação. Por este motivo torpe, foram sacrificadas a honra, imagem, carreira e moral deste magistrado”, diz a nota.

Na nota, o juiz alega ainda que o vídeo da audiência, que mostra o advogado do suspeito pelo crime exibindo fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando era modelo profissional, definindo-as como “ginecológicas” e dizendo que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana”, foi manipulado e não mostra a ordem real dos fatos.

“Inclusive, na audiência real o juiz suspende a audiência por mais de 15 minutos e só retoma com anuência da testemunha. Quanto à motivação das ações indenizatórias, estas visam a responsabilização pela disseminação da mentira atrelada ao juiz Rudson Marcos e não são de forma alguma uma mera intolerância a uma critica ou a uma hashtag, como afirmado. Por fim, quanto ao sigilo dos processos, foi pedido em função da juntada de prova emprestada de peças sigilosas de outros processos criminais”, conclui a nota.

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Confira os artistas citados

Juiz é condenado a advertência

O juiz Rudson Marcos foi condenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a uma advertência por conta da conduta dele durante uma audiência em 2020 do caso Mari Ferrer. Dos 14 votos, foram 11 pela condenação e três pela absolvição do juiz. Em seguida, foram discutidas as penas. A advertência é a penalidade mais branda prevista pelo Conselho.

A relatora do caso foi a desembargadora federal Salise Sanchotene, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS).  Juíza criminal de carreira, ela foi relatora do protocolo do CNJ para julgamentos sob perspectiva de gênero, e é uma liderança do assunto no Conselho.

Com 160 páginas no total, ela concluiu que o juiz catarinense é competente e sério, mas não teve pulso para conduzir a audiência em 2020 e exigir outra postura do advogado de defesa. Ela foi seguida por outros 10 conselheiros.

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A divergência foi aberta pelo conselheiro Richard Pae Kim, que é juiz estadual, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele votou pelo arquivamento, entendendo que a postura do juiz em audiência é matéria “jurisdicional” – ou seja, é um tema que diz respeito ao processo e à função de julgar, e portanto não poderia ser analisado pelo CNJ.

Ele foi acompanhado pela desembargadora do trabalho Jane Granzoto (única outra mulher do Conselho), que é membro do Tribunal do Trabalho de São Paulo (2ª Região), e pelo conselheiro Giovanni Olsson, que é juiz do trabalho em Chapecó, do Tribunal Regional do Trabalho (12ª Região).

Condenação a jornalista do caso Mari Ferrer causa indignação e preocupação

O caso Mari Ferrer

A influenciadora digital Mariana Ferrer acusa André de Camargo Aranha de tê-la estuprado em dezembro de 2018, num camarim privado, de um beach club em Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ela tinha 21 anos na época. O empresário foi acusado pelo crime, mas absolvido em setembro de 2021.

Imagens do dia do crime, recuperadas pela polícia, mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. A perícia encontrou sêmen de Aranha e sangue dela nas roupas recolhidas. O exame toxicológico não constatou álcool ou drogas na influenciadora.

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O inquérito policial concluiu que o empresário havia cometido estupro de vulnerável e o Ministério Público denunciou Aranha à Justiça.​ No julgamento em primeira instância, o juiz da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, Rudson Marcos, absolveu o réu. Ele afirmou na sentença que “diante disso, não há provas contundentes nos autos a corroborar a versão acusatória, a não ser a palavra da vítima”.

O vídeo dessa audiência gerou revolta. O advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibiu fotos sensuais feitas por Mariana Ferrer quando era modelo profissional, definindo-as como “ginecológicas”. Ele ainda disse que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana e, quando ela começou a chorar, ele reagiu: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

Esse episódio motivou um projeto de lei, com o nome de Mariana Ferrer, sobre a punição para quem constranger vítimas e testemunhas de crimes durante audiências e julgamentos.

Antes de processar as 160 pessoas, o juiz já havia entrado com uma ação contra a jornalista Schirlei Alves e o site de notícias The Intercept, responsáveis pela divulgação em primeira mão das imagens da audiência do caso Mari Ferrer. A reportagem usou a expressão “estupro culposo”, entre aspas, para se referir à tese da promotoria. O termo, no entanto, não foi usado no processo.

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A própria matéria trouxe, no mesmo dia da publicação, uma nota aos leitores que esclarecia que a expressão foi usada “para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo”.

Schirlei Alves foi alvo de duas queixas-crime, apresentadas pelo juiz Rudson Marcos e pelo promotor Thiago Carriço, que também estava presente na audiência do caso Mari Ferrer, por danos morais.

A juíza Andrea Cristina, da  da 5ª Vara Criminal de Florianópolis, entendeu que a jornalista cometeu difamação contra funcionário público em razão de suas funções, e considerou que as consequências foram “nefastas” e “alcançaram principalmente o público de todo o Brasil”. Schirlei Alves foi condenada em novembro do ano passado a um ano de prisão em regime aberto e ao pagamento de R$ 400 mil em multa. A defesa de Schirlei recorreu da setença. Em nota, afirmou que “o sentimento é de injustiça”.

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