Pela janela do quarto na casa de número 568 da rua Comendador Araújo, era possível ver uma luz piscando ao longe, no centro de Curitiba. Era o ano de 1961, e Juarez Machado acabara de chegar à capital paranaense. Aos 19 anos, partiu sozinho de Joinville, fazendo a viagem entre a cidade natal e o novo lar em pé no ônibus.

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Com o dinheiro economizado da época do serviço militar, conseguiu se matricular na Escola de Música e Belas-artes do Paraná (Embap) e pagou o primeiro mês de aluguel em um pensionato de estudantes.

– Tudo era muito justo. Ainda tinha que pagar a escola, comprar tintas, pincel. Eu tinha que arranjar urgentemente um emprego. Emprego de quê? Só podia trabalhar à noite, e o que eu ia fazer à noite? Ser leão de chácara, com esse meu físico? – lembra.

O pensionato em que Juarez morou quando chegou a Curitiba, nos anos 1960

Foi a curiosidade pela luz que piscava na noite curitibana que solucionou o problema. Ao descobrir o significado do acende-apaga – eram as antenas de TV, que ainda não faziam parte da paisagem em Joinville -, Juarez encontrou a solução para o problema.

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Na época, Curitiba tinha duas emissoras: a TV Paranaense e a TV Paraná, ambas criadas poucos meses antes da chegada dele à cidade. Elas começavam as transmissões a partir das 18 horas e encerravam à meia-noite. Era o período perfeito para o jovem, que estudava em tempo integral na Escola de Belas-artes.

– No dia seguinte, passei o terno, engraxei o sapato, comprei um maço de cigarro para dar um ar de mais velho e fui bater na televisão – conta ele, aos risos. – Falei com um italiano que disse que estavam mesmo precisando de um desenhista e de um cenógrafo. Falei: “Eu faço tudo isso! Desenho, pinto, danço, faço strip-tease, o que precisar!”.

Batendo na porta da sorte

O primeiro emprego em Curitiba demonstra uma das qualidades de Juarez que o levou ao sucesso: nunca ficar esperando que as oportunidades “batessem à porta”. Apesar da promessa de bom salário na TV Paraná, passaram-se meses sem pagamento.

Para manter-se na faculdade, ele assumia serviços aleatórios, como pintar os cartazes das casas de shows da cidade. Juntava as economias e, quando chegavam as férias, não voltava para casa: aproveitava para viajar e estagiar com mestres das artes, como Mário Cravo e Chico Stockinger.

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Festeiro, fez acordo com o diretor do Country Club para criar a decoração dos eventos e, em troca, tornar-se sócio e frequentar as festas. Assim, conhecia clientes em potencial, além de fazer amigos que o acompanham até hoje.

– É difícil explicar. Eu era faminto por crescer, fazer, aparecer, me arriscar…

Quando começou a participar de coletivas de artistas, os primeiros prêmios apareceram. Em 1961, ficou com o segundo lugar no Salão dos Novos e menção honrosa no Salão de Belas-artes da Primavera. O primeiro lugar viria no ano seguinte, com o prêmio máximo no Salão dos Novos.

– Minha primeira tela em uma exposição foi classificada como surrealista pelos curadores. Diziam “veja só, ele pintou pessoas andando de bicicletas e segurando guarda-chuvas, o que é impossível!” Não sabiam que eu estava retratando a realidade da minha cidade – recorda.

A primeira exposição individual seria no ano de formatura, na Galeria Cocaco. Os primeiros quadros vendidos começavam a permitir que ele vislumbrasse uma vida em que ser artista pagaria as contas.

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Nova estrada

Quando chegou a hora de partir novamente, Juarez tinha mais bagagens e também contatos e amigos na nova cidade, o Rio de Janeiro. Os últimos anos da década de 1960 foram de experimentação, em um momento em que as artes e a cultura efervesciam no Brasil. Em 1967, ele participou da 9ª Bienal de São Paulo, famosa como a “Bienal Pop”.

Dois anos depois, viria o primeiro prêmio internacional, na 5ª Bienal de Humor na Arte, na Itália. A nova década chegou com o joinvilense consolidando seu nome nos desenhos de humor, publicados em jornais de todo o Brasil. Durante um período, ele chegou a manter a coluna fixa Nonsense no Jornal do Brasil.

No papel do mímico que o deixou famoso, no programa Fantástico

Com a experiência na cenografia, ele foi trabalhar na área na Rede Globo, e estava na equipe responsável pela criação do Fantástico, em 1973, ao lado de Daniel Filho, Boni, Miéle e Ronaldo Bôscoli. A participação de Juarez no “show da vida”, no entanto, não se limitava aos bastidores: Juarez ganhou um quadro de humor que o tornou famoso no Brasil. Ele era um mímico, ou, na sua definição, um “desenhista do gesto”. Interagindo com os próprios desenhos, emprestava o próprio corpo para dar vida a sua arte.

– Eu queria mostrar para aqueles caras o que era fazer televisão, ninguém sabia ainda muito bem o que era.

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O mímico-desenhista apareceu na televisão dos brasileiros todos os domingos até 1978. Chegara a hora, então, de conquistar o resto do mundo.

Capa do catálogo de uma exposição em 1975, no Rio de Janeiro