Ser uma jovem mulher em 2020 é poder ocupar lugares no mundo acadêmico e no mercado de trabalho; mas ainda presenciar e viver na pele situações que parecem não acontecer com os homens. É usar a roupa que bem entender, mas ouvir questionamentos a respeito, às vezes vindos até mesmo de outras mulheres. É conversar com mães e avós para fazê-las repensar padrões e comportamentos enraizados. É encontrar a abordagem certa para ter esse mesmo tipo de conversa com pais, avôs, tios – e mesmo com irmãos mais novos, que ainda estão dando os primeiros passos no mundo fora do convívio familiar. É sentir medos e desconfortos que às vezes, de tão familiares, acabam passando despercebidos. É ser tachada de louca de vez em quando.

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Os relatos vêm justamente de algumas dessas jovens mulheres: Isabel Maria Francisco Ribeiro, 19 anos, Fátima Mohamed Osman Adam Mohamed, 19 anos, e Laís Tormes, 17 anos, são representantes de uma geração de mulheres que já nasceram depois do ano 2000 – as quase duas décadas de vida dessas jovens coincidem com um período em que a discussão sobre o papel da mulher na sociedade se universalizou, provocando tanto mudanças quanto polêmicas. Se os nascidos nas décadas anteriores – 1960, 1970, 1980 – já eram adultos quando viram termos como "machismo" e "feminismo" ganharem corpo e espaço no debate público, quem tem algum ano do século XXI na certidão de nascimento já se acostumou desde criança a entende e questionar, afinal, do que se trata tudo isso.

"Eu sinto que a internet ajuda muito", opina Fátima. "Eu desde cedo tive acesso a coisas e informações a que minha mãe não teve, por exemplo. Desde bem nova eu comecei a ler sobre temas que talvez não fossem falados dentro de casa." Isabel concorda: "É uma maneira de ter acesso a visões e opiniões diferentes daquelas dos outros membros da família." E assim, talvez, quebrar ciclos – já que muitas ideias pré-concebidas sobre o papel da mulher na família e na sociedade são passados, mesmo que inconscientemente, de mãe para filha.

"Eu tenho uma imagem muito nítida da minha avó falando sobre roupas", compara Fátima. "Tipo, 'não saia com essa roupa, porque isso ou aquilo pode acontecer'. Eu vejo que existe uma evolução no pensamento já a partir da minha mãe, e acho que essa evolução é constante: com certeza o pensamento da minha filha vai ser diferente do meu. E acho que a gente também impacta o pensamento das mulheres mais velhas das nossas famílias. Conseguimos fazer com que elas reflitam sobre algumas das próprias atitudes."

"Eu converso muito com a minha mãe sobre esse tipo de coisa, porque sinto que certas coisas ainda parecem não fazer muito sentido para ela – como se ela não entendesse meu ponto de vista a respeito de algumas situações", comenta Isabel. Segundo a psicóloga Letícia de Souza Cerutti, especialista em psicopedagogia, o sentimento corresponde a uma situação bastante concreta: "Algumas mulheres mais velhas ainda veem essa nova realidade como algo distante daquilo que elas vivem; um papel que pertence a uma nova geração, mas que 'não pode' ser exercido por elas mesmas", afirma a especialista. "Mesmo mulheres que apoiam as opiniões das filhas às vezes o fazem sem modificar os próprios comportamentos – como se essa realidade não pudesse ser também a realidade delas."

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Nesse sentido, segundo Letícia, as mulheres mais jovens, às vezes mesmo adolescentes, podem assumir para si uma grande responsabilidade. "Elas carregam o sentimento de 'preciso ser diferente daquilo que eu vi e vivi em casa', especialmente se cresceram em um ambiente em que a mãe é muito submissa ou reprimida, por exemplo", diz a psicóloga. "Elas não querem só ser diferentes elas mesmas, querem ensinar e ajudar outras mulheres a ter uma vida diferente da que elas testemunharam e desaprovam."

“Para mim, esse tipo de situação é muito recorrente”, diz Fátima, sobre momentos que a assustam ou deixam desconfortável como mulher (Foto: Diorgenes Pandini)

E como desaprovam. Quando perguntadas sobre situações que ainda as incomodam como mulheres, elas dão respostas das mais banais (como as piadinhas machistas feitas de propósito por parentes e conhecidos) às mais preocupantes (como o medo de andar sozinhas na rua à noite). "Alguns homens da minha família têm ideias muito enraizadas que reproduzem sem nem perceber, em falas, piadinhas… Que às vezes deixam a gente bem desconfortáveis", comenta Laís, sobre o primeiro tipo de situação. "E muitas vezes é só para provocar, né?", completa Isabel. "Parece que eles falam de propósito só porque sabem que vai incomodar."

Sobre caminhar tarde na rua ("às vezes nem tão tarde assim", frisa Laís), elas são rápidas em listar tudo o que passa pela cabeça nesses momentos: "A gente fica calculando: 'Ah, não posso passar por lá nesse horário…', ou então bolando coisas para tentar se defender, como fingir que está ligando para alguém", diz Fátima; ao que Isabel completa: "Tem a coisa de andar com as chaves de casa na mão, também…" Seja qual for a "estratégia", as três são unânimes em dizer que caminham com medo.

"Para mim, esse tipo de situação é muito recorrente", diz Fátima. "Andando na rua, dentro do ônibus, até dentro da sala de aula. Sabe, quando eu entrei na faculdade, várias meninas vieram comentar com as calouras que havia um professor que assediava as alunas, e que era para tomarmos cuidado com ele. E isso em um ambiente em que deveríamos nos sentir seguras."

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Ouça o podcast do papo com as jovens Isabel, Fátima e Laís:

Elas também contam que papéis mais tradicionalmente associados às mulheres ainda são esperados – e, em certa medida, cobrados – delas. "Se alguma mulher falar que não quer ter filhos, a reação da minha família sempre é uma coisa meio 'ah, você ainda é nova, ainda vai pensar melhor sobre isso'", relata Isabel. "E tem aquela coisa de 'você precisa saber limpar a casa, ou cozinhar, para quando casar'. Aí eu respondo: 'ou para quando eu for morar sozinha, né?' Eu posso querer saber cozinhar e cuidar da casa para mim, não só para um marido." Segundo a estudante, mesmo que ditas em tom de brincadeira, essas respostas parecem fazer com que, aos poucos, seus parentes e familiares repensem as próprias ideias.

"O direito de escolher ser mãe ou não ainda é uma coisa muito nova na sociedade", pondera Letícia. "Ainda hoje, mulheres que não querem ter filhos são consideradas 'fora do padrão'. E esse processo é difícil para a própria mulher, porque, mesmo sem perceber, ela ainda busca se encaixar no que é esperado dela. Isso exige um grande nível de autoconhecimento: a mulher precisa entender quais são os desejos que de fato vêm dela, e quais são pressões exercidas pela sociedade. Os padrões ainda existem, mesmo que venham sendo quebrados aos poucos." Fátima resume: "Parece que a gente já nasce com um roteiro que precisa seguir, né? Casar, ter filhos…"

Outro ponto é a questão da sexualidade – mais especificamente, o tabu em torno de uma mulher puder viver livremente sua sexualidade, e mesmo falar sobre o assunto. "Parece que uma mulher falar sobre sexo e sexualidade ainda causa um desconforto", reflete Isabel. Fátima diz que esse desconforto, essa quase vergonha, se mantém mesmo quando o assunto surge entre amigas; e que a maneira como as meninas são tratadas no ambiente familiar parece reafirmar esse ar de "assunto proibido". "Tenho amigas que moram com os pais e são bastante controladas por eles quanto a isso", conta. "E é engraçado que algumas delas têm irmãos que são tratados pelos pais de uma maneira totalmente diferente…"

Elas refletem sobre como poderão usar suas futuras profissões para tentar ajudar na mudança que tanto querem ver no mundo. Laís, que pretende cursar Jornalismo quando terminar o ensino médio, vê o papel da mídia como fundamental nesse contexto. "É uma rede que alcança as pessoas em massa. Se a mídia participa desse debate, a gente consegue difundir e desconstruir ideias com mais facilidade."

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Laís, que pretende cursar Jornalismo quando terminar o ensino médio, vê o papel da mídia como fundamental nesse contexto
Laís, que pretende cursar Jornalismo quando terminar o ensino médio, vê o papel da mídia como fundamental nesse contexto (Foto: Diorgenes Pandini)

Isabel, que estuda Psicologia na UFSC, acha que "não tem como fazer psicologia longe das pautas sociais. Se você for atender numa clínica e uma mulher chegar com um problema que você percebe que é originado pelo machismo; ou se estiver trabalhando na área de recursos humanos de uma empresa e ver que uma mulher está sofrendo sexismo, ou assédio… O psicólogo precisa saber identificar e lidar com essas coisas."

"Acredito que eu tenha entrado na Administração Pública justamente para conseguir fazer mudanças mais diretamente", declara Fátima, sobre a faculdade que atualmente cursa na UDESC. "Eu quero impactar a vida de pessoas que estiverem precisando de mudanças. Mas, por incrível que pareça, eu ainda vejo pouco debate a respeito de machismo ou feminismo dentro do curso. Antes de entrar na universidade eu imaginava um cenário totalmente diferente, mas vejo que esses temas ainda são tabu." Já Isabel narra um cenário mais otimista, relatando que esse tipo de pauta é comumente debatido durante suas aulas na UFSC.

O debate é visto por elas como crucial – mas nem sempre o diálogo é fácil. "Quando converso com a minha mãe, eu tenho que tomar cuidado para fazer ela entender que eu estou do lado dela, e não contra ela", comenta Isabel. "E os homens da minha família têm ainda mais forte essa ideia de 'vocês estão contra a gente'. É mais complicado falar essas coisas com o meu pai." Mas não é só com os homens mais velhos que a conversa pode ficar mais difícil.

"Eu tenho um irmão mais novo, de dez anos de idade, e sinto que às vezes é difícil conversar e fazer ele entender certas coisas", conta Fátima. "Mas eu tento ao máximo manter esse diálogo, fazer ele entender a perspectiva das mulheres, principalmente das mulheres negras – já que ele é um homem negro que vai crescer e sofrer racismo também. Tento fazer ele entender que estamos todos juntos. Nós também precisamos do apoio dos homens, sejam eles brancos ou negros. Acho importante fazer ele entender que esse diálogo é necessário."

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A psicóloga Letícia frisa que o maior distanciamento no diálogo com o sexo masculino vem também do fato de que, ao perceber mudanças de pensamentos e comportamentos, muitos homens temem alterações de seus próprios papéis dentro da sociedade. "Para citar só um exemplo, hoje em dia muitas mulheres ganham mais que seus maridos, o que força uma mudança no papel do homem", ela explica. "E isso tem dois lados: muitos homens alegam se sentirem diminuídos por isso, como se estivessem 'perdendo' suas posições para as mulheres; mas eles também têm a oportunidade de poder lidar melhor com seus momentos de fragilidade, que obviamente também existem no sexo masculino, apesar de serem tantas vezes suprimidos ou mascarados."

Elas sabem, é claro, que a mudança não acontece do nada – e que, aliás, ela já começou, mas que é gradual. "Não é de um dia para o outro, né?", comenta Fátima. "Temos que continuar fazendo nossas reivindicações, sem excluir os homens das pautas." Laís conta que o debate hoje em dia começa desde cedo, e é forte entre os alunos do ensino médio. "Parte um pouco da própria escola, mas principalmente dos alunos", ela relata. "Eu vejo que os alunos têm mais vontade, mais sede de debater e criar uma mudança, do que os próprios professores."

Faz sentido: quem nasceu no ano 2000 ou depois dele está começando a vida adulta agora – criando seu próprio caminho pessoal, profissional, familiar. "A nova geração de mulheres já vem com essa necessidade de mudança", diz Letícia. Uma necessidade que parece vir, justamente, da vontade de criar a sociedade em que elas querem viver.