Das 121 mortes violentas registradas em Florianópolis no ano passado, 51 delas vitimaram pessoas com até 24 anos. Do total de homicídios, mortes em intervenções policiais, latrocínio e lesão corporal seguida de morte que aconteceram na Capital no ano passado, 43% envolviam pessoas definidas como jovens pelo IBGE – com idades entre 15 e 24 anos. Três vítimas eram até mais novas. Os dados foram obtidos pela reportagem junto à Delegacia de Homicídios, que investiga 119 das 121 ocorrências fatais na Capital.

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Assim como jovens representam parcela expressiva no número de vítimas de assassinatos em Florianópolis, a autoria desses crimes também passa por eles. Das 137 pessoas identificadas como autores nas 121 mortes violentas – em alguns crimes havia mais de um autor -, 44 deles (32,1%) tinham até 24 anos. Com exceção das autorias desconhecidas – 30 casos – e as mortes em intervenções policiais – 21 ocorrências -, os jovens são também os que mais matam.

Os 44 registros de autoria de homicídios por pessoas até 24 anos superam os 42 casos de gente com 25 anos ou mais. Isso representa 51,1% das autorias identificadas pela Polícia Civil. Em dois homicídios, os autores tinham menos de 15 anos.

Para o delegado Ênio de Oliveira Matos, titular da Delegacia de Homicídios da Capital, não é novidade que jovens de 15 a 24 anos estejam entre quem mais mata e morre na Capital. Os últimos anos, de acordo com ele, mostram que essa é uma realidade do crime organizado na cidade, em que facções criminosas têm cooptado cada vez mais cedo a juventude para empregá-la no tráfico de drogas.

— Isso aí começa cedo, muitas vezes já dentro de casa. É uma realidade porque jovens e até crianças são mão de obra do tráfico de drogas e quanto mais cedo começam mais graves são os crimes que praticam. As vítimas, a mesma coisa, porque muitas delas têm envolvimento com o crime — avalia Matos.

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Com 37 anos de experiência desenvolvendo políticas públicas que promovem a cidadania em regiões socialmente vulneráveis de Florianópolis, o padre Vilson Groh, que hoje atende 5 mil pessoas por mês no instituto que leva seu nome, é um crítico do modelo de segurança pública baseado na repressão. Para ele, o sistema deveria ser mais humano, focada na solidariedade e criação de oportunidades para explorar o capital social das regiões mais pobres da cidade.

— Não adianta bater na tecla da repressão, que diminuíram as mortes por causa dela. A gente não é contra a repressão, mas batemos na tecla da articulação do preventivo, para oferecer oportunidades a esses jovens — expõe o padre.

"Não podemos naturalizar a violência"

Padre Vilson Groh não se espanta com os altos índices de jovens envolvidos em crimes fatais. Conhecedor da realidade da periferia, afirma ser preciso desestruturar o atual modelo de segurança pública, que não está aliado à "geração de oportunidades". Baseia-se somente em um "processo de repressão". E parte disso, destaca, é do poder público que muitas vezes fecha os olhos para as comunidades carentes da cidade.

— Não podemos ter repulsa dessa juventude, mas sim trazê-la para a educação, a cultura, o lazer e o esporte, para assim poder aproveitar todas essas potencialidades. É continuar batendo nessa tecla. Educação é a saída, porque isso gera mão-de-obra qualificada — destaca Groh, para quem não é natural os jovens morrerem e matarem nessas proporções na Capital.

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Ele acredita que isso ocorre porque "ao invés daquela arma que ele tem na mão, nós não oportunizamos a ele estudo, educação, lazer e cultura". O padre conta que em 2019 o instituto Vilson Groh, que funciona no Mont Serrat, na região central, vai abrigar um curso de tecnologia em conjunto com empresas de TI de Florianópolis para atender jovens do Maciço do Morro da Cruz. Tudo "para derrubar muros e gerar oportunidades para essa moçada que tem arma na mão e se mata".

Tráfico prefere e depois descarta jovens, diz comandante da PM

O comandante da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Araújo Gomes, afirma que o elevado número de jovens que se envolvem em crimes contra a vida na Capital "bate com o perfil nacional". Segundo ele, que também é secretário de Segurança Pública de SC, no mundo todo o envolvimento com violência criminosa está relacionado com o sexo masculino e os jovens, por diferentes teorias, desde questões biológicas e hormonais até pontos ligados à sociologia, como as demandas para prover o próprio sustento, entre outras.

Isso tudo, explica, são teorias criminológicas da fase de transição da menoridade para a maioridade, quando o cometimento de crimes é responsabilizado de forma mais pesada. Segundo Gomes, o tráfico tem preferência pelas crianças e adolescentes. Ele observa que até pela "legislação benéfica", os menores de idade se tornam uma mão-de-obra mais barata para os traficantes.

— Mas quando ele chega perto da maioridade, vai sendo descartado pelo tráfico, que procura novos menores. Quando ele chega perto dos 18 anos, percebe que vai haver uma virada, e aí começa a se envolver com crimes mais violentos tentando dar aquela última tacada para mudar de vida, ganhar dinheiro suficiente para sair do crime — analisa Gomes, para dizer que o limite de 18 anos é esticado até 19, 20, e por aí vai, o tornando "um alvo mais fácil de violência interpessoal".

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