Quando tinha 18 anos e ainda servia o Exército, o brusquense Jeferson Luis Prette ganhou gosto pela corrida. Começou com distâncias curtas. Nada que superasse os 10 quilômetros. A primeira prova, de 5km, foi há dois anos. Seis meses depois já estava cruzando a linha de chegada na primeira maratona e somando mais 42km na conta. Um mês depois, seria a vez da primeira ultramaratona, com 65km.
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– Fiz totalmente o contrário do que um profissional iria indicar, mas o desejo de me desafiar e provar que consigo foi o que mais me motivou – revela.
Programador de sistemas em uma empresa têxtil de Brusque, Prette, 22 anos, soube ano passado, através de amigos que como ele também corriam, sobre a Jungle Marathon ou Ultramaratona da Selva: uma prova de 270 quilômetros disputada na Floresta Nacional dos Tapajós, em meio a Floresta Amazônica, no Pará.
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Apesar dos riscos, o atleta, que sofre de asma, criou a meta pessoal de fazer três provas extremas antes de completar 25 anos. No itinerário estavam a Amazônia, o deserto do Saara e a Antártida. Por ser no Brasil, a Jungle foi a primeira a ser escolhida:
– Achava uma coisa sobre-humano. Algo que não conseguiria nunca fazer, mas passou um ano, fiz a ultra, fiz uma prova de 24 horas e daí criei confiança.
Apesar do investimento de R$ 7,8 mil com inscrição, passagens, suprimentos e equipamentos, Prette não desanimou. Encarou quatro meses de treinamento intensivo, dois meses de adaptação à comida desidratada e embarcou para o Pará no fim de setembro.
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Seriam 10 dias vivendo e sete competindo na selva para se consagrar como o brasileiro mais novo à competir na Jungle e, de quebra, o único catarinense a conseguir completar a prova. Prette cruzou a linha de chegada no 16º lugar da classificação geral. Ao todo 53 atletas se inscreveram na prova, mas por conta de lesões ou desistências, apenas 43 concluíram a prova.
Há poucos dias em casa, com as emoções ainda vivas na memória e com a medalha em mãos, o jovem atleta conta em detalhes ao Santa como foi cada um dos 10 dias na aventura em meio à Floresta Amazônica.
Diário da prova
1º de outubro
Jeferson Prette e os outros 53 atletas subiram a bordo de um pequeno barco no Pará, às 20h. Navegando no rio Tapajós com destino à comunidade de Prainha, a equipe, que desatracou por volta da meia-noite, só chegou ao acampamento 11h30min depois.
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2 de outubro
Os atletas montaram o acampamento no fim da manhã e à tarde foi a vez da conferência dos itens obrigatórios, que segundo Prette, eram cápsulas de sal, remédio para dor, vômito e diarreia, pomadas pra alergia e picada de inseto, luvas e um kit básico de socorro. A organização conferiu rede por rede.
– Logo todos foram descansar. No barco era muita gente e não dava para dormir nas redes. Foi bem complicado – lembra.
3 de outubro
Pela manhã todos participaram do curso de sobrevivência e logo depois teve uma aula prática. Prette conta que, como a prova em si ainda não tinha começado, nos dias 2 e 3 os atletas podiam comer na comunidade. À tarde todos participaram de uma palestra com os médicos, que explicaram o que a mata reservava e o que deveria ser feito em caso de desidratação ou superidratação. No jantar já não era mais permitido comer na comunidade e todos os atletas prepararam comida liofilizadas (desidratada). Prette conta que durante toda a prova se alimentou basicamente de estrogonofe de carne e frango.
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– Naquele momento a ficha caiu que a prova começou de vez. Não tinha o que pensar a não ser ir dormir. No outro dia era a largada – disse.
4 de outubro
Ao todo foram percorridos 22 quilômetros. O dia começou às 5h e todos foram até a praia, local da largada.
– Aquele dia foi um misto de tudo. Pegamos uma subida muito, mas muito íngreme mesmo. O calor ainda causava dificuldade para respirar e entramos na mata. Apesar disso, no primeiro dia todos estavam bem e fortes – contou.
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Prette, que é asmático, sofreu muito devido às condições climáticas nos três primeiros dias, mas depois se acostumou. Ele cumpriu um desafio que se propôs: não usou a bombinha uma única vez.
5 de outubro
No total foram percorridos 24 quilômetros, num dia mais tranquilo e com todo o percurso na selva. Prette lembra que a prova era plana, mas os galhos e troncos jogados no chão da selva impediam a corrida.
– Sofri com o peso da mochila – conta, destacando que carregava 19 quilos no equipamento.
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6 de outubro
Ao todo foram percorridos 37 quilômetros. Com a mochila quatro quilos mais leve – o brusquense reduziu pela metade a comida, os remédios, o kit médico e jogou fora a capa de chuva da rede – Prette e os outros atletas foram avisados que o percurso teria subidas íngremes e a travessia de um rio.
– Pra mim foi um dos piores dias. O sol castigou muito – cita.
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Neste dia, um erro de cálculo deixou Prette desidratado. Depois de passar algumas horas descansando e se recuperando no posto médico, Prette intercalou 15 minutos de corrida com três de caminhada, para não se desgastar ainda mais.
7 de outubro
Ao todo foram percorridos 42 quilômetros. Prette lembra que largou com medo por conta do dia anterior, mas para sua surpresa teve o melhor rendimento de toda a competição. Cerca de 2,4 quilômetros foram feitos dentro de um igarapé, o que aliviou o calor. O restante do trajeto foi beira do rio. Foi o único dia que Prette conseguiu contato telefônico. Ligou para a namorada, Aline, e pediu para que ela avisasse à família que ele estava bem.
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8 e 9 de outubro
Foram percorridos 108 quilômetros. Chamada de etapa longa, a prova teve um ponto de corte. Quem não chegasse em determinado ponto até as 15h30min, teria que dormir naquele local e seguir no dia seguinte. Prette chegou a tempo no ponto de corte, mas por causa do cansaço optou por dormir ali. Estava desidratado e sentia tonturas. Segundo ele, dos 11 atletas que foram liberados para passar, apenas três chegaram corretamente, os demais se perderam e acabaram se atrasando.
– Quando terminei foi um alívio. Estava confiante, praticamente comemorando porque no outro dia era a última largada – afirmou.
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10 de outubro
Foram superados mais 24 quilômetros. Por conta de atletas que se atrasaram na etapa anterior, a largada foi adiada. Prette lembra que antes de sair só deixou a rede, o mosqueteiro e a água na mochila. O resto jogou tudo fora para eliminar o peso. Cruzou a linha de chegada na Praia do Maracanã, em Santarém, por volta de 12h.
– Quando vi a linha de chegada percebi que era realmente tudo aquilo que eu tinha sonhado um dia. Levei a bandeira de Santa Catarina e foi uma emoção sem igual. Para mim não foi completar a prova, foi completar um sonho – concluiu.
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