O ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, ex-deputado federal e, desde o último dia 27 de junho, ex-presidiário José Dirceu lançou seu livro de memórias na noite desta segunda-feira em Florianópolis. Mais do que na obra, porém, as cerca de 250 pessoas que lotaram as cadeiras e o chão do auditório da Federação dos Trabalhadores no Comércio do Estado de Santa Catarina (Fecesc) estavam interessadas em ver e ouvir o autor. Não era para menos: um dos ícones da esquerda nacional, ele desperta paixão ou ódio em proporções comparáveis somente com Lula.
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Dirceu chegou ao prédio com meia hora de atraso, às 19h30min, vindo de um encontro com deputados e lideranças do PT catarinense na sede estadual do partido. O carro que o trouxe entrou na garagem no subsolo e, dali, ele subiu para o local do lançamento, no térreo. Nos poucos metros entre o veículo e o elevador, o cerco de admiradores para tirarem selfies com ele deu uma amostra da devoção com que era esperado. Culpado ou inocente, pragmático ou sonhador, vilão ou herói, ainda trata-se do homem que personificava um projeto de poder.
Bronzeado pelo sol da praia da Daniela, no Norte da Ilha, onde havia passado o feriadão da Proclamação da República hospedado na casa de um amigo, Dirceu estava à vontade na Fecesc. Além do calor humano de companheiros-velhos-de-guerra, duas faixas amarelas com a inscrição “Lula Livre” afixadas nas paredes laterais do auditório o recepcionavam. Com um banner que reproduzia a capa do livro ao fundo, ele se dirigiu ao púlpito, cumprimentou a audiência e começou a falar em um tom que incitava mais a reflexão do que o confronto.
Disse que escreveu o livro na prisão, principalmente aos sábados e domingos, quando a tristeza após as visitas de sexta batia mais forte. Sem pesquisar nem checar nada, sentado na cama da cela, com pouca luz, pôs no papel apenas as lembranças que lhe vinham “do coração e do sentimento”. São tantas que não couberam nas 500 páginas do primeiro volume de Zé Dirceu – Memórias. O segundo está prometido para o ano que vem. A estimativa da editora Geração é de vender no mínimo 300 mil exemplares.
– Foi minha mulher que falou: você precisa contar a tua história para nossa filha (Antônia, hoje com sete anos).
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A microfonia que volta e meia o atrapalhava provocou o momento mais engraçado da noite. O ruído se intensificava conforme o orador se movimentava. Lá pela terceira ou quarta vez que sua fala foi interrompida pela interferência, um gaiato das primeiras filas gritou: “É a tornozeleira eletrônica, tira, tira!”. Dirceu encarou a piada com humor – o ministro do STF Dias Toffoli o liberou de usar o artefato – e prosseguiu, entrando no tema que todos aguardavam.
– Seremos capazes de resistir ao governo Bolsonaro? Não só pelo autoritarismo, mas pelo programa econômico, que é continuação do Temer? – questionou.
A resposta, segundo ele, exige a organização de uma ampla frente democrática, não só de esquerda, muito menos composta somente por partidos, e sim pela sociedade. Dirceu reconheceu também que o PT se distanciou do povo e não se preparou de forma adequada para uma eleição em que as redes sociais e a internet seriam decisivas. Agora, restou à legenda desempenhar o papel que sempre cumpriu até a vitória de Lula em 2002:
– O governo (Bolsonaro) é legítimo, foi eleito no voto e vai tomar posse no dia 1º de janeiro. Isso a gente não discute. O que discutimos é como vai ser a oposição contra um candidato que durante a campanha disse tudo o que iria fazer, por mais absurdo que fosse.
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Por enquanto, talvez nem ele saiba ao certo, embora deixe escapar pistas de como será a atuação petista: baseada “na realidade, na circunstância e na correlação de forças”; respaldada pela força demonstrada nas urnas, em que a derrota para o Planalto não comprometeu (pelo contrário) a representação no Congresso; e sensível às “mudanças da época para resistir, lutar e construir uma nova força política social”.
– O Brasil é gigante e nós temos que ter consciência disso. Até porque vamos governá-lo novamente – encerrou.