Em passagem por Joinville para a palestra Segurança Pública: Crise sem Medo na Câmara de Vereadores de Joinville, evento realizado pela Escola do Legislativo nesta segunda-feira, o ex-secretário de segurança pública do Governo do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame falou sobre contenção de facções criminosas, os problemas no sistema prisional e demonstrou a desesperança de que a crise na segurança pública brasileira seja resolvida em breve.
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Beltrame é delegado aposentado da Polícia Federal, onde foi coordenador da Missão Suporte e chefe do Serviço de Inteligência. Como secretário de segurança, foi um dos idealizadores do projeto Unidade de Polícia Pacificadora, as UPPs, no estado do Rio de Janeiro. Ficou no cargo por quase dez anos, de janeiro de 2007 a novembro de 2016. Atualmente, é consultor da mineradora Vale.
Confira a entrevista:
Como explicar a implantação e o fortalecimento das facções criminosas em cidades como Joinville, que apresentam altos índices de qualidade de vida e empregabilidade?
A questão da facção hoje é quase um fenômeno nacional. Sei pouco sobre a história das facções de Santa Catarina, mas conheço bem as organizações do eixo Rio-São Paulo e acredito que aqui devam ser na mesma linha de atuação. A facção nada mais é do que a formação de bandidos que, juntos, sabem que podem ser mais fortes no sentido de se organizarem, de planejarem dentro daquilo que lhes é mais rentável. Não gosto muito de falar em resolver problema, porque você não resolve problema em segurança pública, você está sujeito a qualquer coisa, a qualquer hora. Você pode mitigar, e isso se faz com inteligência. No sentido de prender as lideranças e de mandá-las para fora do Estado, porque, ao mandá-los para outros Estados, desarticula a cadeia de comando, separa essas pessoas e, dessa forma, é muito mais difícil se organizarem do que se estão juntos. Porque, infelizmente, hoje os presídios são home offices do crime.
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Como conter o ciclo da violência, se os membros estão sendo aliciados tão cedo para as organizações criminosas e, quando presos, acabam se envolvendo ainda mais, muitas vezes saindo do sistema prisional com dívidas com outros criminosos?
[Falar sobre solução] é bastante efêmero, mas a grande saída é desenvolver a sociedade, desenvolver as pessoas, em relação à educação, à oportunidade de trabalho. E, mesmo assim, você ainda terá o criminoso que foi para o crime por conta própria, que não tinha outras motivações. Então, precisamos desenvolver a sociedade dentro do que a cidadania nos diz para ser feito. Quando isso falta e o crime ocorre, então precisamos de uma punição exemplar, que faça a pessoa perceber que aquilo que fez não é legal. Essa é uma opinião minha, de que hoje muitas sentenças não dão esse ar de recíproca – e acho que a sociedade também sente isso. As penas estão não sendo de acordo com a proporção da gravidade do crime que a pessoa cometeu. Não quero enjaular ninguém, mas quero que, se você fez isso, tem que pagar desta forma. Aí dizem: “ah, mas vão botar no presídio e do presídio as pessoas saem pior do que entraram”. Mas isso não pode ser argumento para a pessoa sair impune. As penas que são cumpridas fora, que são uma perspectiva, eu entendo que não há um controle para garantir que a pessoa está se modificando, que não está participando de nenhum crime, que aprendeu a lição. Basta ver as taxas de reincidência no Brasil.
Então, como resolver o problema no sistema prisional, se há superlotação e quando até mesmo uma penitenciária considerada referência no Brasil, como era a de Joinville, apresenta problemas — recentemente, a empresa responsável pela administração da penitenciária anunciou suspensão dos serviços por falta de repasse dos recursos do Governo do Estado.
Você percebe, a questão toda está no Estado. Faz muito tempo que eu tenho para mim que o Estado perdeu a sua capacidade de atender o cidadão. Porque [a Constituição] diz que o Estado tem que fazer tudo: dar saúde, educação, segurança, lazer. Basta fazer uma análise de como estão os hospitais públicos, os transportes públicos… O Estado não conseguiu mostrar sua capacidade de recuperar as pessoas. Particularmente, eu acho que o Estado pode fazer essa terceirização dos presídios, até porque quanto mais coisas ele tirar debaixo da sua guarda, considerando que ele não consegue mais fazer, melhor. Mas, agora, terceirizou e mesmo assim não tem recurso para sustentar. A situação brasileira, a curto e médio prazo, não é boa. Não há uma solução e essa é uma conta que estamos pagando justamente porque o País não tem o hábito de planejar ações a curto, médio e longo prazo, como fazemos na nossa vida, na nossa casa.
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