Uma cena de guerra em um bairro na saída de Damasco, presenciada por dois jornalistas enviados pelo jornal francês Le Monde, é o primeiro registro da imprensa que pode comprovar o que a comunidade internacional até então apenas especulava: o regime de Bashar al-Assad estaria usando armas químicas como estratégia para combater os grupos rebeldes.

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O repórter Jean-Philippe Rémy e o fotógrafo Laurent van der Stockt narram em vídeo e texto divulgados ontem um ataque com gases tóxicos ocorrido no dia 13 de abril, na frente de combate no bairro Jobar, periferia de Damasco, onde os opositores estão infiltrados desde janeiro. Van der Stockt afirma também ter sido atingido, possivelmente, por respirar gás Sarin, cujo uso é vetado pelas Nações Unidas e considerado arma de destruição em massa.

Segundo Rémy, o ataque é silencioso, comparado ao som de “uma garrafa de Pepsi que cai no chão”. Não há odor, nem fumaça, “nem mesmo um som de assovio que indique a saída de um gás tóxico”, escreve. Os homens já sabiam do que se tratava e colocaram máscaras antigás. Os que recebem os equipamentos são, sobretudo, os insurgentes com posições fixas – segundo os repórteres, uma simples parede marca o limite do território rebelde. Outros combatentes recebem apenas máscaras cirúrgicas. Mais tarde, eles são levados com intoxicação para um hospital.

O jornalista descreve os sintomas: “Os homens tossem violentamente. Seus olhos queimam, as pupilas se retraem ao extremo, a visão escurece. Depois, vêm as dificuldades respiratórias, por vezes agudas, os vômitos, os desmaios. Os combatentes mais afetados são evacuados, antes que sofram asfixia”.

Van der Stockt afirma ter passado mal quatro dias depois do episódio e recebido atendimento médico por problemas respiratórios e de visão.

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– Se não for tratado imediatamente, significa a morte da pessoa exposta – afirma ao Le Monde, sob anonimato, o único oftalmologista da região, formado fora do país. O médico diz ter tratado 150 pessoas afetadas por gases tóxicos no espaço de duas semanas, e admite ter medicado seus pacientes com remédios destinados a cavalos, devido à escassez de medicamentos.

Ontem, no dia da publicação da reportagem na França, a União Europeia realizou uma longa rodada de debates e decidiu suspender o embargo que impede o envio de armas a grupos de insurgentes na Síria. Teve efeito a pressão da França e da Grã-Bretanha, favoráveis às remessas de ajuda aos “rebeldes moderados” na Síria. Após a reunião, em Bruxelas, o ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, anunciou a decisão do bloco pelo Twitter e esclareceu que não haverá efeito imediato. Agora, cada um dos Estados deverá decidir qual será sua posição em relação ao fornecimento de armamentos para a Síria, interpretam analistas.

Também foi acertado que as demais sanções ao regime de Damasco, que terminariam na próxima sexta-feira, continuarão em vigor.

EUA e Rússia discutem detalhes de conferência

Os chefes da diplomacia dos Estados Unidos e da Rússia se reuniram ontem para acertar detalhes de uma conferência de paz sobre a Síria.

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O secretário de Estado americano, John Kerry, e o ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, encontraram-se em Paris para delinear os contornos de Genebra-2, conferência internacional sobre a paz na Síria, com a participação de rebeldes e representação do regime.

No mesmo dia, o senador americano John McCain, do partido republicano, cruzou a fronteira entre Turquia e Síria para se encontrar com líderes da rebelião síria. McCain se reuniu com o general Salem Idris, chefe do Estado Maior do Exército Sírio Livre e outros dirigentes da rebelião.