Jornalista com 40 anos de carreira, Míriam Leitão lança agora sua mais longa aventura pela ficção, o romance Tempos Extremos. A mineira conta com dois livros infantis no mercado e uma elogiada trajetória em títulos de não ficção – seu Saga Brasileira foi premiado com um Jabuti em 2012.
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O lançamento parte de um drama familiar e reúne elementos da literatura fantástica para discutir dois importantes aspectos da história do Brasil: a ditadura militar e a escravidão. Em um encontro de família realizado em uma centenária fazenda de Minas Gerais, a introspectiva Larissa observa os desafetos de seus tios, que viveram a adolescência sob o regime militar. É quando passa a ver vultos que remetem ao século 19, tempo em que a fazenda ainda mantinha escravos. Ela, então, passa a pesquisar a história do local:
– O Brasil não tem em mente como foi dura, longa e insistente a luta dos escravos pela liberdade – afirma Míriam.
A profusão de personagens confunde o leitor no início do livro. Além disso, os longos diálogos às vezes soam inverossímeis. Mesmo assim, Tempos Extremos consegue iluminar o passado de modo criativo, configurando uma leitura prazerosa e com rico panorama histórico.
Leia a entrevista:
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Como surgia ideia de se aventurar a escrever um romance?
Depois de 40 anos de jornalismo, em que tudo é preciso checar, buscar ao máximo escrever dentro da realidade, comecei a escrever ficção. Ano passado, saiu A Perigosa Vida dos Passarinhos Pequenos e este ano está saindo A Menina do Nome Enfeitado. Mas não sou uma estranha nessa terra porque sempre fui uma leitora de ficção, desde a minha mais tenra infância. Quando o Saga Brasileira (2011) começou a fazer seu caminho – está na oitava edição e estamos pensando numa nona, além de ter ganho o Jabuti em 2012 -, fiz outro projeto de um livro de não ficção, que vou lançar no ano que vem. Vai se chamar História do Futuro. A proposta é pensar o futuro do Brasil numa perspectiva mais longa, por cima dessas brigas a curto prazo. Então, estou fazendo esse exercício difícil, pesado, de transformar isso numa leitura agradável, leve, que é a função do jornalista. No meio disso, em uma tarde que me deixei descansar, começou a surgir uma história na minha cabeça, e eu resolvi escrever. No começo, resisti um pouco, mas não tinha coragem de admitir para mim mesma que estava escrevendo. Mas os personagens me dominaram, tinha momentos de escrita em que era puro instinto e inspiração.
E como foi abordar a história do país pela ficção?
Com Tempos Extremos olho para o passado do Brasil, para a ditadura e a escravidão. Não queria fazer um livro histórico, e sim contemporâneo com referências ao passado. Acabei me aproveitando muito o jornalismo, porque fiz muitas reportagens ao longo da vida sobre a escravidão e ditadura. Vivi o período da ditadura na minha juventude, inclusive fui presa. Já a escravidão é um tema pelo qual tenho muita paixão. O Brasil não tem em mente, como foi dura, longa e insistente a luta dos escravos pela liberdade. Ao contrário do que se aprende na escola, eles nunca se renderam e lutaram de todas as formas possíveis. Essa luta engrandece o Brasil, apesar da escravidão apequená-lo. Ao longo dos últimos dez ou 12 anos, tenho lido mais intensamente sobre o tema. Então, o pano de fundo do livro é cuidadosamente pintado por essas referências, já os personagens e a trama são ficcionais.
Uma singularidade de Tempos Extremos é sua profusão de personagens, pouco comum na literatura brasileira contemporânea. Como foi a construção deles?
Minha geração teve várias escolhas distintas quando foi atravessada pelo regime militar, queria que isso estivesse no livro. São escolhas que separaram as pessoas. Quem estava na adolescência em 1964 foi para a radicalização de direita. Quem esteve na adolescência em 1968 foi para a radicalização de esquerda. Também houve um boom da bolsa nos anos 1970, aí teve gente que foi simplesmente ganhar dinheiro. Ainda houve os que foram fumar muita maconha, morar em comunidades, sair dos dos centros urbanos… Além disso, quis construir uma personagem principal, Larissa, que não fosse da minha geração, que olhasse para isso com certa distância. Com os escravos, busquei que falassem por si, contassem sua história, em primeira pessoa. Quando uso o recurso da literatura fantástica, faço com que esses mundos fiquem em paralelos, o que abre essa possibilidade.
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TEMPOS EXTREMOS
Míriam Leitão
Romance, Intrínseca, 272 páginas, R$ 24,90 e R$ 14,90 (e-book)
Cotação: 3 de 5 estrelas