O psicanalista Contardo Calligaris escreveu na Folha de S.Paulo um comovente artigo sobre meninos que cobram dos pais o direito de serem reconhecidos como meninas – e vice-versa. Querem trocar de nome e ter o direito de usar o banheiro que entendem ser o do seu sexo. Mas não são adolescentes, são crianças. É a busca cada vez mais precoce dos lastros da construção de uma identidade. Põem pais, professores, a ciência e a ética contra a parede. São vozes que só sabiam pedir mimo e brinquedos. Ouvi-los é também correr o risco de ser engambelado pelas fantasias infantis. E tudo pode ser mais complexo. Nos EUA, verifica-se um fenômeno mais surpreendente.
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Stephen Ira Beatty é um dos seus propagadores. Stephen nasceu menina e até os 14 anos chamou-se Kathlyn Elizabeth. Foi quando decidiu que preferia ser menino. Stephen acha que o mundo não cabe em dois gêneros. O fenômeno social que ele representa é o dos defensores do agênero, que rejeitam enquadramentos. Stephen é filho do ator Warren Beatty e da atriz Anette Bening. Warren ganhou fama como garanhão e já disse ter transado com mais de 12 mil mulheres. O filho inverte o que o pai sempre propagandeou. Importa que cada um decida o que quer ser e se pretende explicitar a escolha.
Vim com esse assunto para chegar a outra questão que envolve escolha e identidade. É o caso do estudante João Victor Gasparino, de Santa Catarina, fenômeno na internet porque se negou a fazer um trabalho sobre Marx. Gasparino também fez uma troca, era de esquerda e virou de direita. Num mundo em que muita gente enquadra facilmente o amigo, o vizinho, mas prefere omitir suas convicções ou referências políticas e ideológicas, há no gesto um ato de coragem. Militantes assumidos de direita são raridade. E temos poucos reacionários glamourosos.
Todos os grandes pensadores brasileiros do século 20 navegaram em algum momento pelas ideias de Marx. FHC, o mais importante intelectual brasileiro vivo, é um deles. Negar-se a estudar Marx por ser de direita equivale a aceitar que um celibatário se negue a estudar Freud por se sentir ofendido pela teoria da pulsão sexual. Isso não quer dizer que o rapaz deva gostar de estudar Marx, assim como não se gostava, na ditadura, de estudar Moral e Cívica e Organização Social e Política. Mas que se aplauda seu desprendimento, num mundo em que alguns ainda evitam serem reconhecidos como anarquistas, fascistas ou nazistas. E você, acha relevante dizer o que é?
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