Não é difícil prever o futuro de uma cidade em fase de rápida expansão; basta observar o que já acontece (ou que está acontecendo) às cidades em situação semelhante no Brasil e no mundo e conferir se as mesmas tendências serão seguidas. Sabemos, por exemplo, que a Joinville de um futuro bem próximo será uma cidade conturbada, estendendo-se desde Itapoá até São Francisco do Sul e com identidade e economia integradas: em resumo, uma cidade com diversos polos industriais, servida por dois portos e com espinha dorsal ao longo da BR-101 entre Garuva e Araquari.
Continua depois da publicidade
Então, nossa Joinville será uma cidade com quase um milhão de pessoas, uma economia forte que atrai novos investimentos, além de gente atrás de uma vida melhor. E sabemos que este povo comprará uma frota de carros particulares na relação de um carro para cada duas ou três pessoas. O lado positivo: aos poucos deixarão de comprar motos e a cidade verá uma redução na legião de jovens machucados, lesionados e mortos em acidentes com motocicletas. Em compensação, os congestionamentos serão também de cidade grande. O lado ruim.
A retenção é uma chatice para quem está no trânsito. Para uma frota de ônibus, é um desastre. Uma frota andando a 10 km/h transporta somente a metade dos passageiros que a mesma frota andando a 20 km/h. Com menos passageiros e mais ônibus, os custos aumentam; mais passageiros deixam de usar o transporte público, e o círculo vicioso começa se fechar com mais aumentos de tarifa. O círculo se fecha de vez com a intervenção político-populista: novos descontos e gratuidades que apenas aumentam os custos e a tarifa. Quem paga a grande parte destes custos é o setor produtivo, através do vale-transporte. Esta é a situação dos transportes em todas as cidades grandes do País.
Não se pode prever se uma cidade terá bons governantes ou não, mas, na minha experiência, uma boa administração faz uma diferença brutal à cidade (e bem maior que a maioria da população acredita). Vi Curitiba se transformar. Vi o Rio ser largado e acompanho o processo atual de estruturação. E vi Bogotá sair das trevas e virar um modelo de regeneração. E Detroit está lá para quem quiser conferir.
Para enfrentar o futuro como cidade grande, Joinville tem alguns fatores a seu favor: uma equipe de planejamento e de intervenção urbana experiente e competente, uma população bem mais esclarecida que a média nacional e associações civis atuantes, como, por exemplo, a Acij.
Continua depois da publicidade
No transporte público a receita é conhecida: ônibus grandes em faixas exclusivas (tipo BRT, ônibus de trânsito rápido), estações e veículos com ar refrigerado e operação padrão metrô. Para quem ainda acha que BRT não é transporte de massa, recomendo uma visita a Istambul, onde há uma linha de BRT intercontinental que cruza a ponte do Bósforo e que transporta um milhão de passageiros por dia. O SIT de Joinville, portanto, terá que passar por um upgrade, não apenas para ter características de um BRT moderno, mas também para cobrir a nova extensão metropolitana – ou seja, uma tarifa única para as zonas urbanas e tarifas equacionadas no mesmo smartcard para as distâncias mais longas.
Ah, tem um leitor no fundo com a mão levantada: “Por que Curitiba – que deu o conceito de BRT ao mundo – está fazendo um metrô se o tal do BRT é tão bom?” Boa pergunta e posso garantir que muitos curitibanos se farão a mesma pergunta no ano de 2018 e no meio da confusão de obras e desvios. Mas, como diz o ditado, cavalo dado (pelo BNDES) não se olha os dentes. Muitos cavalos dados aos amigos tampouco. Além do congestionamento na hora de andar, há o problema de achar vaga quando quer parar. A população vai descobrir que estacionar é um problema em toda a cidade, e os comerciantes descobrirão que a freguesia é proporcional às vagas disponíveis. Mais uma vez, a resposta é um bom transporte público aliado a um zoneamento que não oferece lucros imediatos para poucos em troca de problemas para muitos no futuro. E um velho conhecido dos joinvilenses: a bicicleta.
Basta uma infraestrutura barata em termos de obras e espaço urbano, vagas dedicadas nos centros e até junto às estações e aos terminais do BRT. As novas bikes dobráveis permitem a guarda até dentro dos apartamentos e escritórios que serão cada vez menores (outro reflexo da cidade grande). Esta volta ao futuro da bicicleta pode ser observado em muitas cidades: somente em Londres, por exemplo, de 1999 a 2009, o número de pessoas entrando de bike na city aumentou de 4% para 12%. O mesmo se passa em Bogotá e até em São Paulo. O papel da população jovem de Joinville será fundamental em liderar este movimento de resgate da memória.
Voltando aos congestionamentos e ônibus superlotados: a Acij terá um papel fundamental a desempenhar. Não faz sentido montar toda uma infraestrutura viária e sistema de transporte se estes somente são (super) utilizados durante umas poucas horas do dia. Porque abrir às 8 se as vendas só começam às 11? Por que fecha o consultório às 18 se há clientes que querem ser atendidos às 19? Horários escalonados e/ou flexíveis permitem que todos possam optar para atender seus interesses – e o das suas clientelas – da forma mais conveniente.
Continua depois da publicidade
O trânsito infernal de São Paulo já forçou a população a adotar esta mudança, e o chamado “horário paulista” começa a ser usado em Curitiba. Espera-se que este processo na Grande Joinville tenha um encaminhamento mais racional sob a liderança das entidades de classe. E um nome melhor: algo que significa uma escolha e inovação e não uma imposição do caos.
Alan Edward Ramsey Cannel é engenheiro de transportes. Britânico radicado no Brasil, Cannel se formou em engenharia civil pela Universidade de Londres e é mestre em transportes pela Universidade de Leeds. Membro fundador do Programa Criança Segura (Safe Kids do Brasil). Participou no planejamento e implantação do Sistema Integrado de Joinville e na sua expansão com a Fundação IPPUJ. Trabalhou nos sistemas de transportes de Bogotá, Hanói, San Salvador, Dubai e Maputo, além de Campo Grande, Fortaleza, Blumenau, Ponta Grossa, Curitiba, Cascavel, Uberlândia e na prioridade do Sistema BRT Transoeste do Rio no Brasil. Atualmente trabalha nos sistemas de BRT e trânsito de Belém, Aracaju, Uberaba e Niterói com o escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados.