Ao longo das últimas duas décadas, Joinville se tornou uma referência nacional no atendimento e tratamento de pessoas que sofrem acidente vascular cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame. Um dos principais motivos foi a criação da primeira unidade de AVC do Brasil exclusiva para o atendimento de pacientes, que funciona no Hospital Municipal São José, desde 1997. O serviço ajudou o município a atender de forma mais eficaz aos pacientes com AVC que procuravam o hospital e reduzir de 38% (1995) para 18% (2016) a taxa de óbitos após o primeiro mês do AVC. No ano passado, foram registrados 869 casos de joinvilenses com a patologia, sendo 74% deles pacientes que a tiveram pela primeira vez.

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Para criar a unidade, não era necessário muito investimento em tecnologia. O importante era um local onde os pacientes internados ficassem em uma área restrita, atendidos por uma equipe multidisciplinar composta por neurologista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e uma equipe de enfermagem. No início, havia nove leitos para os pacientes e uma dificuldade para estruturar e manter a equipe multiprofissional porque não havia todos os especialistas necessários trabalhando no hospital (por exemplo, fonoaudiólogo).

Com o tempo, a estrutura foi sendo melhorada e hoje são 30 leitos disponíveis para os pacientes. Entre eles, 21 são leitos integrais, em que os pacientes ficam internados, em média, por 14 dias; e cinco para casos de AVC agudo – no setor de emergência –, onde o paciente permanece 72 horas antes de ser levado para os leitos integrais para continuar o tratamento.

Os outros quatros leitos são usados para o atendimento de vítimas de ataque isquêmico transitório (AIT), conhecido como a ameaça de acidente vascular cerebral, além de pacientes com AVC menor – eles apresentam sintomas leves da doença e ficam no limite de ter o derrame. Esse atendimento colocou o Hospital São José e Joinville à frente das demais unidades de AVC do Brasil por ter sido a primeira a ter a atenção exclusiva para esses pacientes dentro do serviço.

– Essas unidades de AIT já foram testadas na Inglaterra e na França, onde eles viram que reduziu em 80% os AVCs maiores. Então, ele é superefetivo do ponto de vista epidemiológico, populacional e até de custo porque evita um evento lá na frente – explica a neurologista Carla Heloísa Cabral Moro, uma das criadoras da unidade de AVC em Joinville e atual coordenadora da equipe.

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Por ter sido pioneira nessa área, a cidade foi usada como modelo para criação de outras unidades de AVC pelo País. Segundo Carla, o Ministério da Saúde usou o serviço oferecido no município para criar seu próprio modelo, por ele se mostrar viável dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

O próprio ministério publicou uma portaria apenas em 2012 – 15 anos depois de a primeira unidade ser criada em Joinville – para regulamentar os critérios e incentivar a habilitação de hospitais como centros de atendimento de urgência aos pacientes com AVC. No mesmo documento, também foi garantido o incentivo financeiro de R$ 350 por dia por leito ocupado, o que também motivou a abertura de outras unidades pelo País.

Desafio é melhorar a reabilitação

Apesar de ser referência no tratamento e atendimento aos pacientes com AVC, Joinville ainda tem o grande desafio de melhorar os índices de reabilitação das pessoas que ficam com sequelas decorrentes do acidente vascular cerebral. De acordo com a neurologista Carla Moro, esse é o maior problema atual da cidade. A estimativa é de que cerca de 200 dos 869 pacientes que tiveram a patologia no ano passado fiquem com algum tipo de sequela.

Joinvilense precisou de remédios e novos hábitos alimentares para prevenir novo AVC

Joinville é referência em pesquisas

No entanto, hoje os médicos encaminham as pessoas para reabilitação para apenas três lugares, que têm poucas vagas para atendimento: Associação de Reabilitação da Criança Deficiente (ARCD), Associação Catarinense de Ensino (ACE) e Associação dos Deficientes Físicos de Joinville (Adej). Os pacientes com sequelas precisam de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia ou psicólogos, de acordo com cada caso.

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– Na cabeça do gestor público, a reabilitação é a fisioterapia. Muitos pacientes recuperam a parte motora, mas há alterações cognitivas, como a memória e o raciocínio lógico. Com isso ninguém se preocupa, então muitas vezes o indivíduo não consegue voltar nem com a atividade profissional – explica a especialista.

A doutora Carla afirma que o paciente precisa ser readaptado. Ele tem que fazer a reabilitação para recuperar o máximo que for possível e depois se adaptar à nova realidade. Segundo a médica, a fisioterapia precisa começar imediatamente e ser realizada sem interrupções porque o grande ganho do paciente é nos primeiros seis meses.

– O que acontece hoje é que ele fica no hospital 15 dias, onde reabilita uma parte. Depois, ele vai para casa e fica meses até achar um lugar para fazer reabilitação. Então, os meses de ouro ele já perdeu – acrescenta.

Em Joinville, a especialista diz que apenas 30% das vítimas de AVC tiveram acesso a fisioterapia em algum momento. O número cai para 10% nos casos de fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. Dados nacionais de 2013 mostram que apenas 17,9% das pessoas que sofreram o acidente vascular cerebral faziam fisioterapia e 8% realizavam algum outro tipo de reabilitação. Carla diz que o sonho seria a criação de um centro de reabilitação na cidade. Dessa forma, seria possível fazer um controle criando-se um programa de reabilitação para o paciente com o que ele precisa fazer e por quanto tempo.

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– O paciente iria de manhã e ficaria durante o dia fazendo as terapias. Os que estivessem melhores poderiam fazer outras atividades, como a reinserção profissional, e os pacientes muito graves ficariam em um local destinado a eles, mas não em casa.

Alvina conta com o apoio da filha no tratamento

A aposentada Alvina Garcia, 66 anos, teve que se adaptar a uma nova realidade por duas vezes após passar por imprevistos. O primeiro aconteceu há cerca de 15 anos, quando perdeu completamente a visão por causa de uma doença hereditária na retina. Com o tempo, ela teve que aprender a viver sem poder enxergar e passou a depender muito mais dos braços e das pernas para conseguir se adaptar. Em março do ano passado, um novo desafio surgiu após sofrer um AVC e perder a sensibilidade de todo o lado esquerdo do corpo.

Dona Alvina é muito positiva e leva a vida com bom humor, apesar das dificuldades. Após o AVC, ela ficou internada durante 17 dias no Hospital São José. Logo em seguida, começou a fisioterapia para conseguir se readaptar à rotina. Uma profissional vai até a casa dela uma vez por semana para realizar o tratamento gratuitamente. Segundo a filha Maristela, 37 anos, a mãe teve alguma dificuldade no início, mas depois de um tempo voltou a cozinhar, lavar a louça e fazer todo o trabalho que precisa realizar em casa.

– Ela tem algumas limitações porque não enxerga, mas isso já era de antes. Hoje, ela toma um anticoagulante para o sangue e tem que ter cuidados, principalmente, para não se cortar – explica.

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A filha conta que sai todos os dias do trabalho e vai até a casa da mãe para organizar os remédios que ela precisa tomar diariamente, além de fazer alguns serviços domésticos para ajudar. Segundo ela, fica mais na casa dos pais do que na própria. Alvina não reclama e fica feliz com a presença da filha. Uma maneira também de diminuir a dor que sente frequentemente nas pernas e na cabeça por causa do AVC.

– A gente tem que levar a vida. Graças a Deus, tenho um marido, um filho, uma filha e minhas irmãs que são meu tudo. Todo mundo sempre se ajuda – agradece.

Atividade física para estimular a circulação

Uma das estatísticas que preocupam os profissionais é a média de idade baixa entre os pacientes que têm AVC em Joinville. No ano passado, ela foi de 66,7 anos (homens) e 64,4 (mulheres) – na Europa, essa média é quase 15 anos mais alta. A vendedora Adriana Schultz Schulze é uma das vítimas que puxam essa estatística para baixo. Ela tem 43 anos e já teve dois AVCs. O primeiro foi em novembro, enquanto trabalhava em uma loja de roupas e calçados em Pirabeiraba. Ela precisou tomar a medicação e não teve que ficar internada. No entanto, em março sofreu um novo acidente vascular cerebral, que a deixou 15 dias no hospital e lhe rendeu sequelas.

Adriana esqueceu algumas coisas por causa do AVC, inclusive, a data de quando foi internada no Hospital São José. O acidente ocorreu no lado esquerdo, mas as sequelas apareceram no oposto. O braço, a perna e todo o lado direito ficaram adormecidos. Apesar disso, caminha, mantém atividades normais e frequenta a academia diariamente para estimular a circulação.

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– Claro que agora estou com sequela e, infelizmente, não vou ter o retorno, mas no dia a dia não mudou muita coisa. Agora, só tenho mais atividades físicas do que antes porque não posso parar – explica.

Segundo ela, as sequelas apareceram porque houve a demora em torno de dez horas até descobrir que se tratava de um AVC e aplicar a medicação. Isso porque ela procurou o primeiro atendimento próximo de casa, mas os sintomas não foram identificados rapidamente. Quando chegou ao São José, o atendimento foi rápido, mas já era tarde demais para evitar as consequências da doença. A orientação para quem tiver sintomas é de sempre chamar o Samu, que encaminhará o paciente diretamente para o melhor local.

Os médicos ainda não descobriram qual é a causa dos dois AVCs. De acordo com Adriana, os exames dela estão em estudo nos Estados Unidos. O último resultado mostrou uma alteração e a alertou sobre o risco de ela ter um novo AVC.

– Eu estou me cuidando para não entrar em depressão. Por isso, sempre estou fazendo atividades, mas tenho sorte de ter uma cabeça forte e muito boa.

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