Em uma década, os joinvilenses aprenderam caminhos diferentes para conseguir auxílios que o SUS não oferece, o que aumentou 300 vezes o número de ações judiciais contra a Secretaria Municipal de Saúde. Em 2004, o município custeava por decisão jurídica o atendimento de uma pessoa. Em 2014, esse número chegou a 300, contabilizando mais 97 ações em relação ao ano anterior. De um ano para outro, os casos cresceram na margem dos 32%, enquanto os gastos inflaram 41%.
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– Em 2014, tivemos muitas ações sentenciadas – justifica a secretária da Saúde Larissa Nascimento.
Como 2015 ainda tem muito chão pela frente, não se tem certeza sobre números, mas a tendência é de que aumentem ainda mais as ações que colocam o órgão na posição de réu.
– A questão da judicialização é um problema nacional. É um crescente – comenta a coordenadora do núcleo jurídico da secretaria, Sahmara Botemberger.
Uma das justificativas para esse crescimento é o fato de a tecnologia andar a passos muito mais largos do que o SUS consegue acompanhar. De acordo com Botemberger, para que um medicamento ou procedimento seja incluído nas atribuições do sistema são feitos estudos aprofundados.
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Enquanto as pesquisas são elaboradas, técnicas e fórmulas novas são descobertas. Desse jeito, só correndo pela tangente do judiciário, como muitos brasileiros e joinvilenses têm feito.
Para quem domina os cálculos, como a gerente da unidade administrativa financeira da secretaria, Rosana Greipel, fica claro que os gastos com casos individuais renderiam quase a construção de mais uma unidade básica de saúde.
Na internação de 14 pessoas durante 2014, o município investiu R$ 951.076,41, o que representa aproximadamente 10% do valor gasto com ações judiciais no mesmo ano. O restante dos gastos fica com os medicamentos judiciais que custam R$ 7.916.990,30 e com os insumos – que vão desde roupas especiais até bomba de insulina -, que chegam ao valor de R$ 701.854,22.
– A gente não entende os casos simplesmente como uma demanda judicial. A gente entende como uma necessidade que temos que atender. Tem pacientes que vão permanecer em internação para o resto da vida – diz Greipel.
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Hoje, o município arca com as despesas de 959 ações judiciais acumuladas em mais de dez anos de história. Nove delas são “extensivas”, um termo usado para caracterizar um ganho coletivo: Se você tem diabetes em Joinville, tem direito àquela caneta para aplicação da insulina fornecida gratuitamente na Farmácia Escola graças à conquista jurídica que se estende a todas as pessoas que enfrentam a doença.
Para isso, é preciso comprovar por meio de laudo que é diabético. Para os pacientes, de acordo com Botemberger e Greipel, é muito mais simples entrar com processo na justiça do município. Mas como os casos sempre envolvem o SUS, automaticamente dizem respeito às três esferas – municipal, estadual e federal.
O que a Secretaria de Saúde de Joinville lastima é a participação pequena do Estado e colaboração nula da federação na divisão da responsabilidade dessas ações.
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Sara e o que há por trás dos papéis
Se você já brincou de ligar pontos para desenhar figuras em papel vai entender por que Sara do Nascimento não precisa de celulose para dar asas à imaginação. Ela tem xeroderma pigmentoso e desenha de pintinha em pintinha na própria pele que, sensível ao sol, apresenta deficiência em um sistema de enzimas responsável pela reparação do DNA e consequente prevenção do câncer.
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Mas se você nunca teve que enfrentar, pode ser que fique difícil entender por que Sara precisa de papéis, se não é para o desenho. Todos os cuidados que ela precisa ter com a saúde para o resto da vida geram gastos altíssimos. É aqui que a papelada entra, para abrir caminhos em um sistema de saúde que nem sempre está preparado para amparar pessoas como Sara.
Aos quase 14 anos, a menina que quer ser escritora e lidar com outros tipos de papeis hoje tem para si o direito de solicitar à Secretaria de Saúde tudo o que for considerado necessário pelos médicos ao seu tratamento.
– Eu estou contente com o serviço que estão fazendo. O início foi difícil e tem gente que não pode esperar. É muita burocracia inicialmente – comenta o pai da menina, Tarcísio do Nascimento.
Desde 2002, eles batalham por direitos na Justiça. Em 2006, quando ela começou a frequentar a escola e precisou sair de casa todos os dias, eles solicitaram a roupa especial, que demorou para vir. Se viraram como puderam com apenas uma muda de roupa usada e lavada todos os dias. As vestes especiais foram doadas pela empresa onde Tarcísio trabalhava.
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Hoje, Sara tem direito também a dois chapéus, quatro pares de luva, seis calças, seis blusas, vitamina D e protetores solares com barreiras físicas, químicas e regeneradores de DNA. Mas tudo o que Sara precisa tem que ser pedido com antecedência. Nada vem de um dia para o outro. Não existe modo de mudar essa burocracia e nem aquela que eles passaram no início da ação judicial.
Tarcísio lamenta que o único jeito de conseguir os recursos necessários ao tratamento envolva gastos com advogados e médicos de ambas as partes, da família e do poder público.