Os pés são sujos e abrigam feridas. Pendurada no pescoço, uma fina corda sustenta a lata de molho de tomate vazia. No rosto, a inocência arrancada e a tristeza refletida no olhar. A pele que transpira pedidos de socorro é a mesma que se arrasta pelas ruas de Burkina Faso, país do Oeste da África, onde crianças de cinco a 16 anos são privadas da infância, com vidas parecidas com as do regime de escravidão.
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A realidade destes jovens africanos é retratada no Garibous, documentário feito pelo casal Simone e Roberto Fernandes, de Joinville, e o colega Denis Franco Goedert. A prévia das cenas já pode ser conferida no trailler, disponível no canal do YouTube.
Vindas de famílias pobres e analfabetas, as crianças são entregues aos líderes religiosos, conhecidos por marabous, com o objetivo de aprenderem o Alcorão, na esperança de se tornarem grandes líderes religiosos. Para alguns pais, não importa o que a criança irá passar, o importante é ter sucesso futuro, de acordo com o relato de Simone, que conversou com a equipe do “AN” via Skype.
– Há um provérbio árabe que diz que não há conhecimento sem ser obtido com sofrimento, e isso é aceitável para eles -, relatou.
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O casal conheceu o projeto por meio da Casa Esperança, instituição beneficente criada por uma brasileira, e mora há dois anos em Burkina Faso. Lá, eles atendem semanalmente os garibous, atuando na coordenação da área didática e recreacional.
Além disso, auxiliam na fundação de uma casa de abrigo aos ex-garibous, que atualmente conta com dez adolescentes que estão em processo de inserção social. Na “casa”, são oferecidas refeições gratuitas três vezes por semana aos garibous. No dia anterior à conversa, cerca de 300 crianças haviam ido até o local para se alimentar.
Na maioria dos casos, as crianças sofrem represálias de seus marabous por se alimentarem em uma instituição cristã e são impedidos de voltarem. Por isso, muitos vão escondidos. Afinal, os jovens abdicam da infância para conseguirem sobreviver. Eles saem para mendigar seu alimento, suas roupas, água para banho, sabonete e o dinheiro para o marabou. Além disso, eles precisam cultivar no campo no período das chuvas.
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– É muito duro mesmo. Tudo o que nos falaram sobre os garibous era verdade e ficamos chocados ao verificar que não era exagero -, descreveu Simone.
Mudança social
A vontade de fazer um documentário sobre a história dos garibous surgiu antes mesmo de Denis pisar em solo africano. Foi por meio da notícia de que sua irmã e o marido iriam para a África para atuar em projetos sociais que a ideia surgiu.
Fundadores da ONG Impacto Força Jovem, a paulistana Simone e o joinvilense Roberto passaram por treinamentos em São Paulo e Bolívia antes de partirem para a África.
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– Com eles lá, eu fui captando recursos e comprando materiais. Enquanto isso, trocávamos informações via e-mail sobre a história das crianças.
O documentário ainda está em fase de produção e edição, pois algumas imagens ainda estão sendo captadas na África por Roberto, seu cunhado. A captação das principais imagens foi feita em 15 dias, durante o mês de março de 2012, por Denis e uma equipe técnica de menos de dez pessoas.
De acordo com ele, o roteiro é construído com as imagens e o conteúdo do material, por isso a necessidade de obter mais gravações. Além disso, existe o processo de tradução, que foi feito no país africano. Eles receberam apoio de algumas pessoas, empresas, e parte dos gastos com equipamentos, por exemplo, partiu da própria equipe.
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– É um choque. Mesmo com a nossa realidade pobre aqui, não se compara com a situação de lá. As crianças não possuem infância, são várias delas mendigando pelas ruas.
O lançamento está previsto para junho, em Joinville e em São Paulo, cidades em que moram os familiares e maiores apoiadores do projeto. Há planos para exibi-lo em outras cidades, mas ainda sem definição.
– O objetivo principal é mostrar a realidade dessas crianças para o Brasil, porque a maioria não conhece nem o país (Burkina Faso). Queremos a ajuda dos brasileiros para colaborarem com os projetos sociais de lá, construir escolas e retirar as crianças das ruas -, desabafou.
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Simone e Roberto são fundadores da ONG Impacto Força Jovem e já realizaram trabalhos sociais na cidade, principalmente no bairro Jardim Paraíso.