A mesma crise econômica que levou profissionais ao desemprego nos últimos dois anos criou oportunidades para empreender. Este efeito é notado pelo aumento do trabalho informal e visto com muita clareza quando as luzes das ruas se acendem, a partir das 18 horas.

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É nesse horário que carrinhos de lanche ou food trucks começam a abrir suas janelas pelos bairros de Joinville, demonstrando a expansão deste tipo de serviço na cidade. Para alguns, a atividade é encarada como um empreendedorismo de necessidade. Serve para dar continuidade ao sustento da família.

Abrir um negócio próprio, para muitos joinvilenses, é a chance de investir em um novo nicho – no caso, o de lanches rápidos e baratos.

– Empreender é aproveitar as oportunidades que aparecem, e elas se tornam mais evidentes em tempos de crise. Esses lugares (carrinhos de lanche e food trucks) têm diminuição de custo fixo e oferecem preços mais baratos aos clientes, por isso estão fazendo sucesso – analisa Célio Luiz Valcanaia, vice-presidente administrativo da Associação de Joinville e Região de Pequenas, Micro e Médias Empresas (Ajorpeme).

– Mas (os empreendedores) precisam achar uma forma de manter o público quando a novidade passar, precisam se reinventar – explica Valcanaia.

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Há cerca de 20 anos, o mecânico Alvino de Oliveira Schom passava por um momento que parecia desesperador para qualquer profissional: depois de anos dedicados a uma grande empresa de plásticos de Joinville, ele a viu abrir pedido de falência e, assim como outros 300 funcionários, perdeu o emprego sem direito nem mesmo ao pagamento dos salários atrasados. Era hora, portanto, de arriscar.

Depois de um breve período trabalhando na empresa de um amigo, Alvino decidiu investir – não financeiramente, já que ele não tinha caixa, mas no próprio talento para administração.

– Fui ao supermercado de um amigo e pedi os ingredientes para fazer cachorro-quente. Montei um kit na minha Fiorino 147, vendi os lanches e voltei ao supermercado para pagar a conta e comprar mais ingredientes. Fui multiplicando os valores todos os dias, até que passei a comprar direto das distribuidoras – lembra.

Depois disso, Alvino tomou uma decisão que é a primeira lição que oferece aos novatos: nunca mais faria dívidas, a não ser em compras grandes, como imóveis e carros. E, duas décadas depois de se tornar um proprietário de carrinho de lanches em Joinville, estas foram aquisições que ele conquistou ao apostar em um empreendimento mesmo quando vivia um momento de crise.

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– Eu tinha feito uma conta de que, se vendesse dez cachorros-quentes por dia, em 30 dias conseguiria um salário bom. Mas ainda no começo já cheguei a vender 640 em um dia – conta.

Alvino foi um dos primeiros vendedores ambulantes de lanches sobre rodas em Joinville, em uma época em que a atividade ainda nem era reconhecida na cidade. A seção que complementa a lei municipal que rege o comércio de lanches rápidos montados e realizados em carrinhos, trailers e em veículos automotores foi acrescentada apenas no ano 2000. Quando isso aconteceu, Alvino regularizou o serviço e passou a acompanhar a expansão deste tipo de serviço, sem nunca pensar em se acomodar.

Expansão nos últimos anos

Segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, Joinvile tem hoje 124 empresas cadastradas como “serviço ambulante de alimentação”, o que inclui food trucks e carrinhos de lanches. Desde 2014, a Prefeitura registrou a abertura de 56 estabelecimentos nessa área, 20 deles neste ano.

Alvino assume para ele o pioneirismo do lanche prensado em Joinville, iniciado depois de observá-lo sendo produzido em um carrinho de lanche em São Francisco do Sul.

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– Fiquei olhando como faziam e pensei: eu posso fazer melhor. Comprei um trailer em inox que, na época, custava R$ 10 mil, e recuperei o investimento em dois meses. Cheguei a ter seis pessoas trabalhando no carrinho de lanche – recorda.

Nos últimos anos, a concorrência aumentou e o público diminuiu, especialmente nos últimos dois anos. Alvino agora conta com apenas uma funcionária e calcula que a queda nas vendas chegou a 80%, mas espera firme o retorno do público quando a crise econômica acabar.

Para isso, tem a própria trajetória como âncora: ele já viu passar pelo menos uma geração de clientes fiéis aos seus lanches, que são mantidos pelo atendimento atencioso.

– As pessoas vêm de diferentes lugares da cidade, e as crianças que eu atendia no início, agora vêm com seus filhos – salienta.

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Chance para fazer um novo investimento

Não estava nos planos da massoterapeura Márcia Higuti (na foto, à direita), 55 anos, entrar para a área da gastronomia de Joinville até a mudança de uma sobrinha, vinda de São Paulo para a cidade, com a intenção de aplicar o conhecimento adquirido em uma faculdade de gastronomia.

O espírito empreendedor de Márcia superou a falta de experiência e ela decidiu que, ao ajudar na abertura do negócio, o ideal seria não aplicar o capital em um restaurante. Assim, Márcia aderiu ao movimento que há cerca de dois anos fez explodir o número de food trucks na cidade.

– Eu percebia que, em Joinville, era muito comum abrir restaurantes grandes que bombavam por um tempo e logo depois fechavam. Não era o que eu queria.

Márcia entrou como investidora no empreendimento por acreditar que era uma aposta que valia a pena. Assim, enquanto o carro era montado, ela corria atrás de contratos para participar de eventos na cidade e divulgar o food truck. Antes que ele pudesse ser colocado em funcionamento, no entanto, as temperaturas do verão joinvilense assustaram a sobrinha chef de cozinha, e a massoterapeuta acabou assumindo o comando do empreendimento.

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Para conciliar as duas atividades profissionais, ela encontrou uma solução que resolveria um dos maiores problemas de quem abre um comércio de lanches em carrinhos: a autorização para funcionar em um ponto bem localizado, com sublocação no terreno escolhido.

O endereço do Oishi Comida Oriental é o mesmo do local em que ela mora e da clínica de estética em que atende. Por sorte, fica localizado entre condomínios de prédios e uma grande faculdade na zona Sul, o que garante a maior parte do público.

Segundo ela, os clientes têm diferentes níveis socioeconômicos e ajudam na publicidade boca a boca. A decoração também ajuda: as lanternas japonesas que decoram o muro da casa chamam a atenção para o tipo de culinária que é pouco encontrada em carrinhos de lanche: a oriental, com o yakisoba como carro-chefe.

– Eu percebo como Joinville era, de cultura alemã conservadora, e como os mais velhos têm mais resistência para experimentar sabores diferentes. Mas os jovens têm mais aceitação. Alguns deles experimentaram os pratos orientais pela primeira vez aqui – diz.

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O investimento utilizado há dois anos e três meses começa a ser recuperado agora. Enquanto isso, ela tenta segurar as contas para evitar que o restaurante sobre rodas perca o foco. Mesmo em momentos em que as verduras ficaram com preços muito altos, o prato principal não teve o preço final alterado.

– A ideia, se é ser carrinho de lanche, é que seja barato. O cliente não tem culpa pela crise econômica – ressalta.

Aposta na parceria familiar

Marcos Alexandre Guse (na foto, à direita), 45 anos, não ficou parado depois que perdeu o emprego em uma empresa de assistência técnica. Ele decidiu que era hora de montar um negócio próprio e, ao lado de um amigo, abriu uma microempresa para manter-se na área e prestar serviços de assistência técnica.

No entanto, a alta do dólar, que encarecia as peças necessárias, e o fato de já no primeiro ano o faturamento ter ultrapassado o limite para enquadramento neste perfil, dobrando os impostos, o fizeram repensar o investimento.

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Por isso, deixou a sociedade na microempresa e aplicou em um empreendimento menor: um carrinho de lanche com hambúrgueres gourmet. Fez isso ao lado do primo da esposa, Douglas Fernandes da Fonseca, o que os levou a batizá-lo de Primo?s Burguer.

Douglas, que tem um estúdio de tatuagem, viu na ideia uma chance de investimento em uma área da qual já gostava. Especialista em assar hambúrgueres em eventos da família e dos amigos, ele e Marcos aprimoraram as receitas com a consultoria de conhecidos formados em gastronomia e criaram um cardápio diferente da maioria dos carrinhos que servem lanche.

Eles não têm um food truck – ainda que tenham encomendado um carrinho com cores e plotagem mais elaboradas do que a maioria dos carrinhos de lanche, optaram pela legislação destes pela simplicidade das regras -, mas oferecem opções de hambúrgueres especiais, com insumos mais nobres, como costela, cordeiro e pernil.

– Se era para abrir, que não fosse mais um carrinho de lanche. Além disso, os clientes aceitam melhor ao saber que os hambúrgueres são caseiros, porque estão ficando acostumados aos food trucks – afirma Douglas.

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A inauguração ocorreu há menos de um mês, em um local onde quase não há opções semelhantes, no bairro Iririú. O endereço fez a diferença: inicialmente, abririam em um ponto no bairro Costa e Silva, mas, pouco antes da abertura, outro carrinho de lanche foi aberto no lado oposto da rua.