– A gente já passou o período de luto né? Agora é só aprender a conviver com a saudade. Continua depois da publicidade Dez anos após um dos maiores acidentes aéreos ocorridos no País, Andreia Mancia, 46 anos, ainda sente as marcas da tragédia. A joinvilense perdeu o pai, Eduardo Mancia, no voo da TAM 3054. O avião saiu da cidade de Porto Alegre rumo à Belo Horizonte, mas o destino não se completou. Ao fazer uma conexão em São Paulo, a aeronave explodiu após pousar no Aeroporto de Congonhas.
Investigações do Centro de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos apontaram que a aeronave não conseguiu frear após a aterrisagem, extrapolando o limite da pista de pouso. O avião atravessou a av. Washington Luís que fica ao lado do aeródromo e colidiu com um prédio e um posto de gasolina. Além de Eduardo, outras 198 pessoas morreram no desastre. Continua depois da publicidade Desde 2007, o dia 17 de julho tem um sentido diferente para Andreia e os dois irmãos, Marcello, 48, e Luciano, 44. Ela revive o luto a cada ano que a tragédia é relembrada nos jornais. À época, devido a gravidade do incidente, a família só pode enterrar Eduardo 12 dias após o ocorrido, quando o corpo foi reconhecido por meio do exame de DNA. Entretanto, mesmo após o reconhecimento, a gastrônoma demorou para acreditar que o pai estivesse entre as vítimas. – Eu estava saindo de férias quando vi a notícia nos jornais. Na hora eu liguei para o meu pai, o celular estava desligado e ele nunca deixava o celular desligado. Quando passou em todos os jornais, eu só pensava que ele poderia ter sobrevivido e deveria estar ajudando as pessoas – desabafa. A confirmação de que Eduardo estava no voo veio mais de cinco horas após o desastre, quando a companhia aérea divulgou a lista de passageiros. Eduardo trabalhava como consultor de recursos humanos e viajava de avião com frequência. Para a filha, o pai morreu de forma repentina deixando muitos sonhos e planos para trás. O consultor queria ver os netos crescerem e aproveitar os bisnetos que ainda estariam por vir. – Ele fez 60 anos no ano que faleceu. Fez uma grande festa, alugou veículo para irmos daqui de Joinville até Porto Alegre. Hoje, a gente acredita que foi uma espécie de despedida porque ele repetia ?não poderia ter passado um aniversário melhor, com a família que eu amo e com o pessoal da minha empresa que são tudo para mim?. Continua depois da publicidade Eduardo morava longe da família joinvilense, mas nunca deixou a distância guiar o relacionamento familiar. Ele visitava os filhos com frequência e todo domingo pela manhã dedicava um bom tempo ao telefone para ouvir notícias de todos. A neta mais velha, Aline, 23, ainda era uma adolescente quando o avô faleceu. – Ele era um avô coruja e se preocupava muito com os netos. Fazia questão de encorajar a gente a estudar, a fazer cursos. Ele batalhou desde cedo e incentivava a gente a fazer o mesmo – recorda. Certa vez, Aline comentou com o avô que queria aprender a tocar violão. Pouco antes da tragédia, ele entregou à menina um cartão com felicitações pelo aniversário e ao lado da mensagem havia o desenho de um violão. O presente físico veio alguns dias depois para estimular os sonhos da neta. – Depois ele comprou um violão de verdade para mim – lembra.
Réus foram absolvidos
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O relatório apontou duas hipóteses para o desastre. A primeira, que teria havido falha no sistema de controle de potência dos motores do avião. A segunda, indicou que o piloto teria executado um procedimento diferente do esperado ao colocar o manete em posição de aceleração. Além disso, o relatório também mostrou outros fatores que contribuíram para a tragédia: uma forte chuva ocorrida no dia do acidente que acarretou na formação de poças e ausência do serviço de grooving – ranhuras – na pista do aeroporto.
Após investigação da Polícia Federal, 11 pessoas foram indiciadas, mas somente três se tornaram réus. Em 2011, o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil, Denise Maria Ayres Abreu; o vice-presidente de Operações da TAM, Alberto Fajerman; e o diretor de segurança de voo da companhia, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, como responsáveis pelo acidente. Todos os denunciados foram absolvidos em 2015.
O MPF recorreu a decisão e em junho deste ano, o Tribunal Regional Federal manteve a decisão de absolvição em primeira instância. Segundo a assessoria da Procuradoria Regional da República, o processo está na Procuradoria e será distribuído a um procurador, que vai analisar o processo e decidir sobre as medidas eventualmente cabíveis.
Família aguarda desfecho
Andreia carrega o sentimento de impunidade pela morte do pai e lamenta que os denunciados no processo tenham sido absolvidos pela Justiça. Para ela, uma junção de erros tirou a vida de 199 pessoas e as famílias não podem ficar sem uma resposta. Entretanto, acredita que apenas pelo fato de os denunciados terem sido levados ao banco dos réus já pode ser considerado uma vitória. Continua depois da publicidade – O que eu esperaria de toda essa situação é que nada disso tivesse acontecido, mas isso não tem como. Se na justiça dos homens eles não forem condenados, eu acredito na justiça de Deus. O apoio dos outros familiares das vítimas do acidente foi parte fundamental no recomeço da gastrônoma após a tragédia. A Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAMJJ3054 (Afavitam) foi criado pelas famílias para dar assistência aos que perderam os entes naquele 17 de julho. O grupo luta para que o acidente não seja esquecido e os culpados não fiquem impunes. Eles também prestam apoio a famílias vítimas de outros desastres, como o do voo com a delegação da Chapecoense, ocorrido em novembro do ano passado. Duas homenagens estão agendadas em memória as vítimas do voo 3054 hoje. Uma ocorre em São Paulo e a outra em Porto Alegre. Além disso, tramita na Câmara de Vereadores da Capital gaúcha o projeto para colocar o dia 17 de julho no calendário municipal da cidade como uma data oficial alusiva à memória das vítimas do voo da TAM.