Birra, manha, teimosia, petulância. Alguém conhece pais que não depararam com atitudes como essas de seus filhos? Especialistas ensinam que desde cedo a criança testa os limites dos adultos, e que nesses momentos é preciso que os pais definam quais são esses limites. Na teoria é bastante fácil, mas no dia a dia nem sempre funciona. Que pai ou mãe não cedeu aos caprichos do filho vez ou outra? Ou teve dúvidas sobre o que fazer ou que tipo de castigo aplicar?
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Há algumas décadas, tanto em casa quanto na escola, o castigo era geralmente físico. Usava-se a famosa palmatória -espécie de colher de pau com furos- para dar bolos nas mãos de crianças malcriadas, ou a surra- que poderia ser de cinto, chinelo ou com a mão espalmada -, recurso ainda usado, apesar de cada vez mais criticado. Outro castigo usual para “domar a fera” – e que atravessou a linha do tempo- era deixá-la no quarto, ou sentada em uma cadeira por algum tempo, para refletir sobre suas más atitudes. Não poder ir para a rua jogar bola ou brincar com os amigos era, definitivamente, um castigo terrível.
Mas as mudanças nas relações sociais, a maior possibilidade – e oferta – de bens e serviços provocaram uma revisão nos conceitos e na forma de punir o mau comportamento das crianças. Atualmente, proibir à TV, os games, o celular ou limitar o acesso ao computador, pode ser tão dolorido à criança quanto à surra de antigamente.
Quando Edmir Mármora, 61 anos, era criança, suas estripulias e desobediências eram punidas com palmadas e chineladas. No entanto, o hoje militar da reserva não reproduziu a medida com seus três filhos. Suspender a mesada e proibir as brincadeiras na rua, como os jogos de futebol, queimada e taco, foram as soluções encontradas por ele.
– A época que eu vivi não foi ruim. Mas a época mudou e o castigo também – afirma.
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O filho mais velho de Edmir, o empresário do ramo de informática Sylvio, 34 anos, viveu a infância em um período em que as punições se tornaram mais brandas, em que as crianças haviam conquistado uma relação mais informal com os pais, e tinham maior liberdade de expressão e, inclusive, de ir e vir e de brincar fora de casa quando quisessem. O que, de certa forma, transformava realmente em punição a proibição de sair à rua e se divertir com os amigos. Sua filha primogênita, Mariana, cinco anos, nasceu em uma época na qual o castigo físico recebe críticas contundentes, e brincar na rua, embora ainda seja para as crianças uma ótima pedida, ganhou restrições em decorrência dos riscos de exposição ao trânsito e à violência, principalmente para moradores de grandes cidades. Tirar de Mariana algo que ela não faz regularmente, como brincar na rua com as amigas, seria inócuo como castigo. Por isso, quando ela não se comporta, fica sem computador e sem assistir aos DVDs da Xuxa e da Barbie, que adora.
– Ela, quando está de castigo, pode apenas ler e desenhar – limita o pai.
Modelo de educação passou de rígido a liberal
A punição a filhos desobedientes, bagunceiros ou que não se dedicam aos estudos gera, com frequência, controvérsia em relação a forma de se aplicar o castigo. A palmada, a chinelada e os puxões de orelha – que têm resultados bastante questionáveis, segundo educadores – passam cada vez menos pela cabeça dos pais. Críticas feitas por especialistas, leis que coíbem a prática e campanhas contribuem para que essas sejam atitudes menos comuns.
Contudo, é necessário pensar antes de definir o que fazer com quem extrapola os limites. O castigo pelo castigo pode se mostrar ineficaz. Adianta punir o filho que vai mal na escola com a restrição ao computador se, em vez de estudar, ele passar as tardes jogando videogame? Formado em História e doutor em Educação, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernando Seffner afirma ser um consenso que a educação é um processo que se opera com limites para todos. Ele diz que a punição tem de ser estabelecida o mais próximo da situação que a gerou:
Se as notas na escola não estão boas, o castigo pode ser deixar de sair no sábado à noite para ficar em casa estudando, porque o problema que se constatou é que não há estudo.
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Certamente você já ouviu alguém argumentando que, antigamente, a educação das crianças em casa e na escola produzia mais efeito. Entretanto, métodos antigos, mais rigorosos e menos democráticos, nem sempre se mostraram eficientes na correção do comportamento infantil, contra-argumentam os educadores. Também por isso, vêm sendo substituídos.
A psicóloga e terapeuta familiar Fabiana Gebhardt acredita que, hoje, grande parte dos pais tem acesso às informações necessárias para decidir como impôr limites aos filhos, mas uma parcela esbarra na dificuldade de colocar as ideias em prática, sem condescendência ou excesso.
– Pais ficam receosos de tirar algo que o filho gosta. Já passaram o dia fora de casa e, quando chegam à noite, não querem se indispor – analisa.
Para a pedagoga Helena Côrtes, professora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com as mudanças que ocorreram ao longo de décadas, o modelo de formação das crianças passou de muito rigoroso, no qual até professores castigavam os alunos fisicamente, para muito liberal. Helena ressalta a importância de estabelecer normas e consequências para quem não cumpri-las por meio do diálogo.
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– Se ameaçar que vão castigar, tem de cumprir. Se não, acabam por perder o respeito – lembra a professora.
O desafio atualmente é inventar alternativas para a educação que não passem pelo uso da violência, mas que imponham regras. Os professores têm de ficar atentos para não tratarem a educação como uma mercadoria na qual o consumidor escolhe tudo. A escola também desempenha um papel fundamental na definição de limites e punições.
Castigos de antes e de agora
Palmatória – impensável para as crianças hoje, pais e professores utilizavam uma espécie de colher de madeira com furos para bater nas mãos de quem não tinha bom comportamento.
Ajoelhar no canto – quem tivesse atitudes desrespeitosas podia ser punido com uma ordem para ficar de joelhos no canto da sala de aula, ou até sobre grãos de milho.
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Palmada – talvez a punição utilizada por mais tempo, e ainda não abolida, consiste em tapas, normalmente no traseiro.
Suspensão da mesada – restringir o acesso da criança a coisas que ela adquire com seu dinheiro.
Proibir de sair de casa – pode ser um dos piores castigos para quem está acostumado a brincar na rua. Em vez de jogar futebol ou pular sapata, a criança tem de achar alguma atividade dentro de casa.
Refletir – também bastante comum é mandar a criança para o quarto para pensar sobre suas atitudes. Ou determinar que ela fique sentada, numa espécie de cadeira do pensamento, ou da reflexão.
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Nada de eletrônico – os pais retiram o acesso do filho ao computador, vídeogame, celular e até a TV, como forma de punição.