A relação entre Brusque e o mercado têxtil é centenária e começa com o surgimento das primeiras fabricantes de tecido do Estado, por volta de 1890 – antes mesmo do início do futebol no Brasil. Um pioneirismo que legou à cidade o título de “berço da fiação catarinense”, ainda hoje repetido a esmo por radialistas em transmissões esportivas. Cem anos depois, em uma década de 1990 marcada por menor protagonismo da indústria – e por um título estadual do Brusque Futebol Clube -, o crescimento das confecções, lojas e centros comerciais de vestuário fez a cidade reinventar a própria vocação. Vitrines, araras e corredores com roupas a preços reconhecidamente baixos passaram a atrair cada vez mais turistas de várias partes do país e responder por uma fatia importante da economia e até da fama da cidade.

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Hoje, quando a bola rolar no gramado do Estádio Augusto Bauer, Brusque estará novamente em uma vitrine, mas de outra forma. Diante de um gigante do futebol brasileiro, o Corinthians, em partida válida pela Copa do Brasil com transmissão da TV Globo e de canais de esporte por assinatura, onde segundos de visibilidade costumam custar muito, o time e os torcedores terão 90 minutos para sonhar e mostrar um pouco do orgulho brusquense. Um capítulo capaz de colocar o futebol como um produto ao lado do turismo de compras na prateleira de fontes de oportunidade para o município.

A economia e o esporte sempre andaram lado a lado em Brusque. Cônsul Carlos Renaux, que na cidade é nome de colégio, de rua, de praça, de estádio e de hospital, é conhecido por fundar a fábrica de tecidos que também levou seu nome – e, para os mais conhecedores, por ter financiado um protótipo que se tornou a primeira geladeira do Brasil, desta vez emprestando o título de cônsul à fabricante. Em 1944, por força de um decreto que impedia alusões a cidades e nações no nome de clubes – o mesmo que transformou os Palestras Itálias de São Paulo em Palmeiras e de Minas Gerais em Cruzeiro -, o Sport Club Brusquense, primeiro clube de futebol catarinense, adotou o nome de… Carlos Renaux.

Além de cidade dos tecidos, Brusque também é o berço dos Jogos Abertos de Santa Catarina, competição criada pelo esportista e industrial Arthur Schlosser, sobrenome famoso entre os primeiros industriais têxteis do município. Num exemplo mais recente, a parceria entre o Brusque e a Havan, rede de lojas de departamentos, mas com origem no atacado têxtil, acumula resultados interessantes em campo e também em visibilidade.

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O bom momento do time, que é vice-líder do Campeonato Catarinense e avançou à segunda fase da Copa do Brasil após bater o tradicional Remo (PA) por 2 a 1 em casa, tem empolgado a cidade, que nos últimos dias vive o clima de um jogo histórico. Apenas em uma loja de esportes da Avenida Cônsul Carlos Renaux mais de 250 camisas do Brusque foram vendidas.

– Todo dia são pelo menos cinco ligações de pessoas interessadas – conta o gerente Luciano Machado, que relata demora na entrega de um novo lote pelo fornecedor.

Na Havan, o clima de arquibancada é ainda mais nítido. No último dia 23 foram colocados à venda na loja os 3,6 mil ingressos referentes à torcida do Brusque. Filas se formaram desde cedo e as entradas se esgotaram em poucas horas. Nos dias seguintes, quem aproveitava o começo da folga de Carnaval para fazer compras inevitavelmente passava por manequins fardados com as camisas branca e preta do Bruscão.

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– Tem vendido muito, já estamos no terceiro lote. A preta é a preferida. Tem sido um momento muito bom – conta a gerente Albertina Testoni Orthmann, que verá até o filho, de20 anos, na arquibancada.

Clientes como o construtor Fábio Darolt Piffer, 26, aproveitaram para garantir uniforme a caráter para assistir de camarote – ou melhor, no aperto que deverá ser a Geral – à histórica partida no Augusto Bauer. Corintiano de coração, ele garante que vai encarar a partida como um jogo festivo e sairá do estádio feliz independente do resultado. O palpite para o jogo? Um bem comum entre os torcedores.

– Acho que vai para os pênaltis. É até bom, porque dá mais emoção – brinca o construtor.

Será o primeiro jogo que Fábio verá este ano no estádio, mas na memória de torcedor ele guarda com carinho outra partida pela mesma Copa do Brasil – em 2011, quando o time venceu o Atlético-GO por 3 a 2 em casa, apesar da eliminação no jogo de volta. Mas o torcedor compreende que o clima para a partida de hoje é diferente e pode refletir até mesmo em outros setores do município.

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– É um jogo que mexe também com o comércio, com a cidade como um todo. Se o clube está bem, consegue uma boa renda, fica mais forte e isso pode ajudar a cidade também – opina o torcedor.

Exposição e visitantes que vêm pelo gramado

A relação entre o futebol e o turismo de compras vai além das camisas dry-fit com patrocínio da rede de lojas. Em centros comerciais concorridos como Fip e Stop Shop, onde placas com tarjetas de diferentes cidades dividem espaço no estacionamento, muitos lojistas ainda não percebem uma ligação direta entre o futebol e as vendas. Mas é fato que a visibilidade de um time em ascensão pode trazer mais gente à cidade. Pessoas que consomem, compram e podem engordar faturamentos de um comércio que já é forte.

De olho no celular em um corredor de vitrines enquanto esperava a esposa voltar das compras, uma espera de causar cumplicidade a qualquer homem com uma união estável, o empresário Manoel Lino, 58, faz perguntas sobre o jogo de hoje. Há 29 anos morando em Boston, nos Estados Unidos, ele é corintiano e acompanha os jogos pela TV, mas promete torcer pelo Bruscão, em nome do coração catarina. Não tem dúvidas de que um possível crescimento do time, possível através da vitrine da Copa do Brasil ou do próprio Estadual, é capaz de trazer muitos frutos para a cidade.

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– Morei em Criciúma e sempre que viajava a trabalho as pessoas reconheciam a cidade pelo time forte da Série A, conhecido nacionalmente, e não pela produção de carvão ou de azulejo. Ter um time forte é excelente para a cidade e ajuda muito em turismo e em compras – pondera.

Obstáculos para alcançar a projeção sonhada a partir deste jogo são muitos, como devem ser as adversidades nos 90 minutos em campo diante do Corinthians. Uma derrota expressiva ou mesmo a queda de rendimento após o confronto histórico podem despertar dúvidas se o bom momento do time foi efêmero como uma liquidação de verão, ou se tem como ser duradouro da mesma forma que são os polos têxtil e varejista de Brusque.

Para alguns, o Estádio Augusto Bauer ainda pode ser muito acanhado para que o clube suba esses degraus. Mas os primeiros teares de Carlos Renaux também eram.

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