Não te enganes com tua côdea de soberba: todos já nascemos póstumos. Claro que ainda falta uma data, uma hora, uma azada da passagem que haveremos de pregar na parede dos tempos como a extrema e definitiva. É quase injusto fazer esse pedido, nada nos livra do autoengano, todos os ardis do cérebro e toda a memória corporal envidam seus esforços no sentido do engano. Como se fosse haver para sempre manhãs como esta. O que mais seria necessário a uns olhos que tenham visto um Sol nascer feito esse de hoje, Dia de Todos os Santos, de todos os mártires que puseram suas vidas a serviço de uma causa? O último dia antes do Finados, e este Sol perdulário despeja seus dourados em gordos gomos de ouro sobre a linha tênue que tento ponderar. Sua própria existência é uma morte lenta. Enquanto agoniza, distribui vida indistintamente rumo ao desconhecido. A vida que é a tua e também a minha encena o mesmo estertor, mas quais são as emissões que enviamos para o universo?
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Cada um de nós também é o centro de uma engrenagem que se alastra. Pensa no seu círculo de influências, todas as pessoas que tu atinges ao longo da vida não são apenas indivíduos. São universos inteiros. Fosse uma única pessoa e já seria a imensidão, mas são milhares, talvez milhões. E um gesto mal dado, uma palavra descuidada ou o farfalhar de uma maldade vai influenciar não apenas a sua superfície, mas a cadeia de influências que ela exercerá sobre os seus próprios elos infinitamente. Esse moto se aplica a qualquer ser vivo, animal ou vegetal. E tudo isso vai ficando à margem de tua passagem como escombros ou edificações. Não se trata de um legado egoísta sobre o qual podes desdenhar. As decisões são pessoais, mas as consequências são universais.
Não te engane com tua côdea de individualismo, não te iludas com a enganosa posse do que tens. Breve ou imenso, cada um de nós é uma manifestação da eternidade. Não te arrogues miserandos feitos, nem te assoberbes pelas qualidades. O joio e o trigo crescem à tua esquerda e à direita, não te abstenhas de escolhas, pois entre um e outro não há sequer a distinção de um caniço. A vida é curta, mas as pegadas ficarão, para o bem ou para o mal, a depender de onde ponhas tua intenção a cada passo.
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