À noite, a temperatura estivera baixa, por isso a primeira manhã de dezembro espraia-se pela cidade com casacos extemporâneos. O clima indeciso, com céu encoberto e uma brisa leve, faz nascer um dezembro atípico. Quando deu dez horas, o céu verteu um sol coado entre nuvens. Então, deu-se que uma jovem paineira à borda do rio despejou o algodão de sua paina no leito incerto da brisa. O ar da avenida ficou cheio de adeus nas flutuações daquelas fibras finas, sedosas e alvíssimas, como se fossem lenços que se agitam na hora da partida.

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As duas pistas da avenida Beira-rio ficaram repletas daquele branco peregrino, que plana hesitante e vai desenhando aos olhos as curvas vadias que o vento faz. Pequenos tufos rolam macios, entram pelas portas e janelas abertas e vão se depositar nos recônditos mais escuros de gabinetes e habitações.

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A paineira, exuberante como uma cabeceira de rio e insólita feito um moinho de vento, estremece com o alarido estridente de um bando de maritacas. Elas volitam, riscam um voo verde da cor da camisa e se projetam na contraluz até sumirem no precipício do horizonte. E pelo resto da manhã, o ar que se respira carrega oxigênio e despedida.

Esta crônica saía-se para ser o adeus derradeiro e poético a um time. Mas o poeta Gullar morre no domingo. E, por um instante, falecer aos domingos deixou de ser pleonasmo para ser apenas a morte mesmo, plena de seu abismo ineludível. Quando um poeta deixa de respirar, a poesia ganha ainda maior relevo. Todos estampamos uns versos preferidos. Uma frase definitiva que resume a vida e a arte, uma fotografia que mostre seu rosto anguloso como duas margens de rio emparedando um fluxo de linhas e rugas que lhe davam a aparência de um ser de outro tempo.

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Poetas são como a figura mítica de Prometeu, que todos os dias morrem e renascem para serem novamente devorados pelos bicos afiados dos corvos da indiferença. Todas as manhãs, os noticiários deveriam anunciar a morte dos poetas, quem sabe então poderíamos correr a seus livros e roer sem remorso os ossos de suas palavras. Nestas últimas linhas, queria deixar o nome de outro ferreiro do ofício, que morre e moureja para que a poesia more e seja em nossos dias: Fernando José Karl.