Joel Gehlen: Sobre aquela tarde

Foi uma tarde como aquelas que desejaríamos pôr no roteiro de uma vida inventada. Pudemos recordar e fazer planos, o que já é quase a plenitude da felicidade. Não foi sem amarguras. É certo que havia nuvens no céu e um vento do leste que estendia as mãos desajeitadas desarrumando os teus cabelos. O menino achou tudo lindo, explorou o farol com viva surpresa pela torre e sua escada de 43 degraus. Colheu conchas na areia, entrou com o mar acima dos joelhos e sonhou com tesouros enterrados por piratas na ilhinha da palmeira solitária.

Abrimos alguns baús, falamos de cartas e fotografias. Com palavras e pensamentos, acercamo-nos daqueles que jamais estarão ausentes, embora tenham saído sem se despedir, nem levaram bagagem na sua última partida. Ah, as viagens… O amor é um companheiro de viagem que, convidado a embarcar em uma nova aventura, responde: “Estou pronto!”. Pois sabe que, muito mais que percorrer o espaço entre duas distâncias, vai ampliar a intensidade das emoções. Cada destino é um Aleph, aonde se vai para o encontro do inesperado e não para o endereço de um postal.

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E assim a vida vai se refazendo. Uma trama de casualidades que nos distancia do que objetivamente queríamos e nos leva ao que não tínhamos em mente, mas que necessitávamos sem querer. Onde estiveres há de ser sempre a morada dos “serendipities” encantatórios. Como aquele encontro em Buenos Aires, a amiga de Córdoba, Alejandro e sua família. E ouvir a música de Alejandro para Azas Azuis é se deixar outonecer, “se bem que uma folha que nos fale sobre o outono não pode descrever a imensidão das suas nuances.”

Ao ver o girassol cardiolairiano aberto com as pétalas do coração, soube que, afinal, voltastes a ser quem foste. Ressurgida de sua “alquimia de dores”, com o mesmo sorriso de toda a vida. Dessa vez, veio comigo o jasmim da Giulietta, que trouxeste de Verona para o pedaço de chão que avisto sob a janela onde escrevo. Sim, “está ao lado do portão”, onde poderá estender seus braços com flores da cor do luar. Quando der muda, vou buscar um pé dessa glicínia vinda de Giverny e que agora encontra em teus cuidados a cura para feridas sem deixar cicatrizes.