É a segunda vez que recomeço essa primeira crônica de maio. Hoje, o escritor e pacifista Amós Oz completa 78 anos. Não se deixe apanhar pela morte sem ter lido pelo menos um de seus livros. Assim, quando ela o fizer, partirá portando consigo uma lasca de eternidade. As implicações de maio sobre a escrita se dilatam na luz que suaviza a putrefação suprema. Os homens supremos são mortos de sobrecasacas, como no poema de Carlos, haveremos de rir-se deles. Os homens supremos torcem as orelhas do povo numa demonstração de jugo. Cada um deles encontrará no futuro o dia em que vai se saber um “homem para cuja figura se canalizaram rios e rios de ódio e aversão, durante oitenta gerações”. Um Judas, conforme definição de Amós. Até que chegue esse tempo, eleva-se um clamor: “Delenda Brasília”, chão estéril pelo sal do nosso pranto!

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Maio, com que me acenas? No fundo de minhas dúvidas, elabora-se uma resposta que jamais chega à superfície da palavra. A voz de maio é tácita e se adivinha na fome dos aracuãs, que afloram numa ebulição entre as folhas da floresta, enchendo o ar entrecortado de galhos com seu canto desajeitado. Chegam em voos de fôlego curto, como esse arco que esfaqueia docemente o violoncelo enquanto arranca-lhe uma suíte de Johann Sebastian Bach. Há uma lógica algébrica nessa música e só por isso maio se impõe como uma invenção de geômetras, em intervalos de relevos arqueados.

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Onde ficou estocado esse azul que agora se abre, de maio a maio, no pleno céu das conjecturas? Essa cor à espera de uma rima é quase uma dor. Emotiva, como um prato de comida que se recebe no desabrigo e no anonimato da penumbra. As primeiras colheradas abrandam o estômago que as devora. Munido de ancestralidades, abro a janela sobre o aclive do céu, em que se debruça o toque sutil do desejo à inclinação do instante. O sol flameja uma tinta feito lápis na mão de uma criança. Ninguém admoesta as repetições, o traço torcido, as pequenas curvaturas de sombra e uma queda de luz que murmura como água.

A iridescência de maio transita nos timbres de azul, e o pólen deita na brisa sem se dar conta de que “um verme iniciou a roer as sobrecasacas”. Quatro de maio esteja com você.

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