Nunca houve um verão igual a esse. Escrevo essa crônica para que, quem sabe um dia, essa frase possa ser lida no passado: nunca hou-vera um verão igual àquele. E, então, se permita sentir esse período sem os escombros do presente, mas apenas a sua ode cristalina polida pelo tempo. Os dias longos foram a única característica daquele verão. Tudo o mais – o clima, a luz, o vento e a temperatura – foi de um misterioso outono prematuro. Não será sem vaidade que se ouvirá dizer daquele janeiro, que estando em meio do caminho, já se passava as tardes em manga longa e havia aquela vontade de se enternecer com as coisas mais simples a que só o outono nos conduz.

Continua depois da publicidade

As noites nunca terão sido tão suaves quanto naquela temporada. Desdobradas em um tecido aveludado para que se deitasse a nudez da Lua, recém-saída do banho, tão redondamente sedutora. Todas as sacadas à beira-mar se abriram para fotografar a obscena intumescência e a imensidão do mar fatiada pela lâmina cega de uma luz fria.

Leia as últimas notícias de Joinville e região

Escrever sobre o clima em Joinville é fiar-se em fotografias de nuvens. Confiar que no instante seguinte estarão lá, como hipopótamos flutuantes que repastam bovinamente no azul, ancorados pelo cabresto de nossas intenções. A Oeste, nimbos-cúmulos tramam motins. Insuflados por um vento sul, cavalgam sobre a cidade em cerradas fileiras plúmbeas. A ventania desgadelha o arvoredo, remove postes, precipita o fim do dia. A ribomba avança medonha e desliza para o mar na sua carruagem de vento. Depois, um Sol mortiço estende a pele tímida sobre a ramagem ainda gotejante e deixa uma vela acesa atrás de si. As cigarras resistem como um trem desgovernado e o cora-ção descarrila ao seu apito em pleno desespero.

Do meu lado da montanha, a noite se arrasta em longos tentáculos de sombras pelo chão. Na metáfora de boca, apenas os cumes mais elevados mastigam a carne avermelhada do ocaso. Os dentes em seus lábios desejando ter outra vez aquele jeito delicado e lindo de dizer as coisas entre camadas de sorrisos. Passei 49 anos, cinco meses, onze dias e oito horas a ninar palavras que supunha minhas, só para que pudesse ter o mais puro silêncio no exato instante em que os sinos de vento vibram as vértebras de bambu ao sopro do acaso.

Continua depois da publicidade