Não nasceram da mesma mãe, mas estavam juntas na caixa de adoção na borracharia da beira do asfalto. O homem, quase 80 anos, viúvo recente, morando sozinho em uma casa de muitos cômodos, escolheu a marronzinha, acomodou da melhor forma no carro entre as peças e ferramentas que trazia para vender. Foi até o borracheiro e lhe deu uma “gorja” pelo cãozinho. Ainda lançou um último olhar para o filhote preto que parecia satisfeito e ter a caixa só para si. Deu a partida e arrancou, mas antes de desaparecer na curva da estrada, deu meia-volta e mais uma nota de dez ao borracheiro. E levou a outra cachorrinha também. É que estavam acostumadas a ficar juntas, iam sentir falta uma da outra, justificou para si, olhando-as no seu banco carona, dentro da mesma caixa ainda com a inscrição “doa-se filhotes”.

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Formaram uma família feliz. Elas passaram a ser a atenção da sua vida, pagava uma cuidadora (sem uniforme) para ficar com elas nos três dias da semana em que viajava. Quando retornava, sempre às quintas, se desdobrava em carinhos, cuidados e comidas. Elas correspondiam com um amor canino redundante. Há um ano, os três vieram morar em casa, em Joinville. Algumas adaptações, mas tudo bem. Já crescidas, levavam uma vida companheira e fraterna. Às vezes, rosnavam uma para a outra em disputa pela casinha maior, pelo tapete mais felpudo ou, no mais das vezes, pelos carinhos daquelas mãos octogenárias.

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Até que um dia aconteceu. As duas se pegaram, brigaram feio, de tirar sangue do olho uma da outra. Nasceu uma animosidade ancestral entre as duas, como se fossem inimigas desde o útero. Tudo agora ficou dividido entre duas cores, duas bandas, numa discórdia dicotômica e desarrazoada. Ambas passam todas as horas do dia tramando uma contra a outra. Todos perdemos com a divisão, temos menos espaços e já não encaramos com estima as amizades de sempre. E, pior, nos perguntamos como pudemos manter essa afeição por tantos anos se professamos tão profundas diferenças? Estamos mais pobres, com menos esperança e a única coisa que alimentamos é o desejo de arrancar o fígado do outro! O tempo da felicidade plural acabou.

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