Mal começa janeiro e nem sei se o quero tão feliz em meus desejos, esse tempo que nasce à meia noite para morrer em um quarto de horas e sem quarto de dormir. É trágico que dure tão pouco e nele se esperance tanto e tão desejosamente queira-se que seja novo e diferente pelas quatro estações seguintes. O tempo não tem partida ou chegada, está sempre a passar. Assemelha-se mais a um rio visto de um ponto à sua margem do que a um calendário pregado na parede. Avança e se confunde com as brancuras do horizonte que o enlaça. Um fica e o outro passa. Felicidade é um grão raro, que, se pudéssemos usar a gosto, poríamos inteira nesse virado, brindando a sede e o mar salgado. Pois que seja um apetite eterno, mas que dure apenas um instante.
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Não, em meu desejo não cabe nada em demasia. Especialmente mesa farta, onde uma ínfima parte é necessidade de sustento, 90% são papila gustativa e gula ostentativa. Come-se por seis, sem nenhum remorso pelas vidas que deixaram de existir para serem servidas na ceia, nem pela fome alheia que jamais se sacia. Dispenso também essa paz que se deseja tanto, toda vestida branco sobre os conflitos, pois nesse mundo errado é quase conivência e covardia, como um cevado egoísmo que nos mantém dormindo enquanto o pesadelo acorda. Saúde de ferro, talvez quisesse, mas nem isso, pois que a finitude é a medida do meu viço. Porque tenho dores, padeço de febres e há fadigas, só por isso, é que melhor faço por merecer tudo que possuo.
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Desejo os contentamentos extraídos dos dias comuns, das coisas banais, como quando, diante do espelho, ao terminar de secar os cabelos poder senti-los colhidos por entre os dedos; como quando andar a pé, perceber o aveludado novelo de sol e brisa pelo decote da blusa; como quando, no meio da tarde, olhar a chuva e perceber que ela não se dosa, nem se recolhe. No entanto, verte sempre em desmedida, doce e límpida, com o frescor das coisas inéditas, embora seja sempre a mesma água desde o imemorável terceiro dia da Criação.
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