Tinha pretensões singelas. Gostaria de ter tempo para andar, olhar a chuva, ver o Sol se pôr, dormir sem culpa, andar com os pés descalços, regar as plantas e varrer as folhas. De fato, era triste não dispor de si para essas pequenas coisas. E tempo é um tesouro que não se acumula; mau ou bom, o dia sempre passa.

Continua depois da publicidade

Por outro lado, trabalhar é uma dádiva quando o que se faz é ler e escrever. Especialmente para quem nasceu lá naqueles fundões, onde a vida é um esforço constante. Tendo sido boia-fria, tudo o mais parece melhor. Órfão do pai, aos 13 anos acordava ainda no escuro, com muito sono, punha uma roupa de roça recendendo a suor, o velho chapéu de palha, pegava a enxada e a marmita ainda quente, preparada algumas horas antes pela dona Maria.

Leia as últimas notícias de Joinville e região

Saía de casa sem olhar para trás, subia aquele acentuado aclive que tinha na esquina da rua, a noite morrendo na soli-dão de um céu cheio de estrelas pálidas. O ponto de espera ficava no posto Alto da Glória, 20 ou 30 almas reuniam-se inamistosas, quietas com seu pito e pigarro. O caminhão chegava com os faróis acesos, nunca uma luz foi tão triste. Ao subir à carroceria rangente daquele velho Ford, já sentia canseira no lombo. Todos punham tento no ronco do motor, a evolução das marchas até ganhar velocidade. O caminho era um facho de luz que sacoleja rompendo a madrugada, a cidade fica ao longe como um ninho de pontos iluminados. Os rostos desacorçoados envoltos em penumbra e ruminâncias, envelhecidos aos 30, taciturnos, com seu chapéu atolado na testa para não voar. Para o menino, a única alegria era o vento batendo na tez trigueira, cheia de sardas. E sempre tinha alguém para cantarolar uma moda com voz incerta, que a velocidade logo debelava.

Ao chegar na lavoura, o Sol se horizontava sem nenhuma alegria. A soja orvalhada logo empapava a calça até a altura da perna. O lombo arcado sobre o cabo da enxada, os olhos postos na terra, no aço afiado, no inço ao correr das leiras. Uns cantarolavam, outros assobiavam, alguns praguejavam. Do garoto só saía a capina, exilado em pensamentos. Os companheiros sustentavam a família com a diária de boia-fria, estavam condenados àquela labuta. O menino compraria livros e cadernos, um par de Con-ga para ir à escola ler e escrever.

Continua depois da publicidade