Toda beleza só é bela porque espelha um travo de tragédia, uma efemeridade, um fim no seu começo, uma chama que se apaga. Uma luz que se percebe apenas pela sombra que projeta. É cega, a beleza, e a inveja enxerga no escuro. Toda beleza é uma cilada do tempo. Os ipês esplendem avassaladores, como se o esplendor fosse tornado verbo apenas para dar conta de caber o seu ato de florescer. Se fosse esplendor um ipê em flor, mais que uma rima, seria uma eternidade, seria uma escultura hiper-realista em mármore, um Raffaele Monti que poderíamos revisitar em todas as estações do ano. Uma flor de ipê que não morresse no terceiro dia seria uma pequena eternidade cochilando.
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No entanto, esplendem os ipês como se explodissem num instante de fulgor que se apaga mais que se acende. Como o próprio rio do tempo, ninguém mergulha os olhos duas vezes na mesma florada. Não fotografem os ipês em flor, não se pode macular essa beleza com um tempo que não lhe pertence, seu espetáculo exige a tragédia da efemeridade, o desespero das despedidas para nunca mais se ver. E este silêncio tão profundo faz parte da sua cor. A florada dos ipês há de ser sempre uma lembrança imaginada, uma construção da saudade, uma revisão da ausência. Uma dúvida que não se repara, entre o ser e o havido.
Um ipê florido há de ser sempre uma monstruosidade aberrante, uma criatura inteiramente feita de olhos. O olhar em carne viva, uma ferida aberta, uma nervura exposta, uma dor que não se remedeia. Por isso, não guardem nas fotografias, elas não captam o pólen das abelhas, nem o desespero desse azul ausente. Construa um ninho no deserto do tempo para guardar os amarelos nonatos dos ipês, não como quem guarda uma flor entre as páginas de um livro que seu leu há tanto tempo; não como as flores que guarnecem os sepulcros. Mas como um suspiro, uma falha dentro da respiração. Flores estão sempre em outro lugar, como uma intenção extemporânea, devem ser sempre vistas como uma lembrança que se contempla com a imaginação. Ipês floridos são pássaros mortos que seguramos no breve voo entre as mãos e os olhos.
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