Descobri o Carnaval e a guerra no mesmo dia. Não guardei a data precisa, mas era uma tarde de chuva, num provável verão de 1972. Tinha seis anos e ainda não sabia ler, mas era muito bom em adivinhações, uma capacidade que só muito mais tarde vim saber que é a cognição. Vivíamos lá nas barrocas do sertão de Mamborê, numa casinha ataperada, entre as franjas da mata funda e os campos cultivados a braço e boi de canga. Só à custa de muito suor estávamos quites com a vida. Nosso pai construiu uma casa nova, com três quartos. Um luxo para aquele mundaréu de filhos.

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A antiga morada ficou lá, parecendo ser ainda mais renga e minúscula, com a macega a lhe lamber os alicerces. Vazia, era ainda menor, rangia mais alto e sem inclinava com afinco ao chão. Virou a alegria da criançada. Sempre que vinham as chuvas daquele verão, íamos em disparada ao seu abrigo, podíamos devassá-la como Napoleões sem peias. O que fora um sagrado lar com suas severidades e ritos, era agora nosso território de conquista, para correr e pular. De minha parte, gostava de olhar pela janela, ver o mundo lá fora sob a inclemência da borrasca. Pelo assoalho ficaram espalhados papéis e objetos saídos sabe-se lá de quais reentrâncias, onde ficaram guardados por longos anos como relíquias.

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Para um menino da roça, aos seis anos, era um admirável mundo de descobertas. E foi num momento daqueles, enquanto a chuva caía lá fora, que encontrei uma velha edição da revista “Manchete”. Fiquei fascinado pelas fotografias da guerra e do Carnaval e a carreguei comigo como se fora um ursinho de pelúcia. As imagens de soldados com máscaras antigás em ação na Primeira Guerra Mundial, e as moçoilas, também de máscaras, mostrando suas pernas, foram uma revelação. Levei um bocado de tempo olhando aquilo até decifrar o seu significado. As imagens sem som do frevo e do samba pareceram-me completamente fora de propósito. Já a guerra não carecia de legenda, a emoção e o medo estavam retratados. Em fevereiro tem Carnaval e há sempre uma guerra por aí, ainda hoje espio tudo de longe. Mas garrei um amor pelo samba, a voz cadenciada das gentes do Brasil. Esta crônica é uma homenagem a Ilmar Carvalho, joinvilense migrado e autoridade nacional no assunto, que completou 90 anos no dia 20.

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