Aos nascidos em maio compus essa incerteza feita de palavras e do tempo das nêsperas. O verbo que era o princípio se fez fóssil, pois tudo que não toca o espírito é afeto à mesma matéria. A prima teimosia foi escolher maio para estreia, com suas proverbiais variações de climas, com seu berço de nostalgias e as fugas para nuvens órfãs na amplitude côncava do azul. No auge do outono, os tubérculos arrancam as folhas, se recolhem à terra e guardam a seiva para quando setembro vier. Filhos de um tempo hostil, padecem de um pendor à angústia e levam pela vida afora uma cor na memória dos olhos, que é o mais puro invento de maio.
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Desde o primeiro hausto, tenho o peito cheio de estrelas, levei meio século para entender que sou feito da mesma poeira. Aquilo de que se compõem os alvéolos, o ar que os enfuna, o amálgama das rochas e o mar sobre o betume, tudo descende da mesma unidade. Compreender isso hipoteca num empenho com a longa jornada de volta para casa, ao encontro de nada. Estar aqui de passagem é quase tudo que sei, não dura mais que um fósforo riscado dentro da noite. Esse lampejo, mesmo que breve, nos induz no cerne da escuridão. Sem alarde, sem outros pés para tocar o solo, o dia chega encarnado na claridade e traz o tumultuado instante a que damos o nome de vida. Um dia apenas para estar sob o Sol e deitar-se com as sombras que se inclinam no chão até se dissolverem na noite. E porque o dia está na casa de Touro, viemos para a estalagem do mundo equipados com essa ruminação que produz arquiteturas intangíveis.
Não se espante caso hoje venha a cair uma chuva calma, que seja o mármore esculpido com a face doce do silêncio. Uma chuva que tenha a brandura do pastoreio e nos tanja como a mão que já não há, conduzindo ao abrigo de uma marquise de onde se possa ver a rua inteira deserta depois que a última mãe se retirar. Mas pode que outro tempo nos encubra nesse dia do advento, pois aos nascidos de maio é dado passar incólumes pelos brunidos do azul. E mergulhar nessa cor vertical é um presente de maio aos nascidos, que fazem o voo dentro do anil como se fora um quinto elemento.
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