Meus companheiros estão honradamente ocupados em seu ativismo visceral. Todos têm razão, estão certos em suas causas e combatem o mundo errado. A luta é desigual e encarniçada. Entrincheirado no último bom senso que resta, estribado na sua capacidade de discernimento, na absoluta clareza, nos seus conhecimentos acumulados em anos de estudo, cada um deles sabe que está certo. São homens e mulheres virtuosos, altruístas, solidários, e flameja uma causa no sangue dos seus olhos. Como heróis trágicos, arde neles uma destinação sublime de serem, numa só vida, poetas e soldados! De suas batalhas depende o destino da Terra, e há de pender o porvir conforme lograrem êxito ou derrota.
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Sinto-me o pior dos humanos ao visitá-los, armados de suas certezas, verdades e justiças. Sou ainda mais vil, desnudado na ignominiosa construção de mim, este ser duvidoso, impostor e iníquo. Inútil e covarde, fujo do meu próprio corolário: o indigno da espécie! Logo estou na trincheira do outro lado, com o inimigo. Ele também é um companheiro e está igualmente imbuído das mais elevadas virtudes. Prepara a defesa e desfere seus golpes com aptidão e fé. É justo e certeiro, tem sensatez, e a própria Atena luta a seu lado. Há de obter os louros e entrar sorrindo na eternidade, pois, decisivo, confronta as degenerescências desse mundo.
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Outra vez desprezível, incapaz de ombrear-me em sua campanha, saio sorrateiro, imputado da vilania de ver mérito nos dois opostos. O pior dos seres. Uma ameba, a forma mais simples de vida, atina de que lado se perfilar para manter a missão de procriar e perpetuar a sua espécie. Os vegetais sabem se inclinar para a luz e elevar-se. Mesmo uma rocha imóvel, no decurso dos milênios, se põe inclinada para o sublime. Mas eu não sei qual dos lobos, qual das matilhas devo escolher. Padeço de dúvidas, oscilo flébil e volátil, como a fumaça débil das escaramuças, levada pelo ar sobre o campo conflagrado. Menos que isso: pairo feito a neblina que se dissipa à primeira brisa matutina, sem deixar rastro, em irônica metáfora da vida. Hoje, inicia-se o 5779º ano judaico, um dia para abrandar o espírito. E amanhã é primavera.
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