Dezembro é o mais triste dos meses. Tempo de fadigas sem peias, há tantas meias nas janelas e a esperança anda descalça em meio ao trânsito intenso e o mormaço das avenidas. Pessoas correm às compras e celebrações, a solidão se recolhe com pejo de sua essência e uma felicidade obrigatória circula entre as gentes, sem levantar suspeita. Dos encontros de fim de ano restam as fotografias transbordantes de sorrisos e afetos seminovos. Estão calcificados como pedras no fundo do rim, mas podem ser expelidos quase sem dor.
Continua depois da publicidade
Teima essa rima de dezembro com desespero, mas deve ser afogada em tanta bebida na temperatura certa. Antes que chegue janeiro, a casa deve estar arrumada para reencarnar a confiança, é preciso enterrar a esfarrapada esperança do ano que passou, está prematuramente envelhecida e abandonada como um cão sarnento. Em meio a tantos banquetes, quem há de lhe preparar um velório? Ninguém lhe presta uma cerimônia de adeus, um instante de silêncio que pese na testa e abrande o coração rejeitado. Quando entrar janeiro, ninguém lhe dará um enterro, restará jazendo como um corpo insepulto no meio de uma rua em ruína de Alepo.
Confira mais notícias de Joinville e região.
É dezembro e sinto a alma baldia dessas horas que se precipitam num torvelinho e roem as ribeiras dos dias que se desmancham feito música no ar. Enquanto a noite naufraga na infiltração da aurora, confio e espero pelos matizes da manhã que chega. É sempre um animal arisco em sua aproximação acautelada. Nesse instante, um intenso dourado enlameia a parede dos fundos. Cá no meu tugúrio, demoro a perceber que é uma réstia de sol que escorrega pelos troncos da mata e se insinua em seu instante mais oblíquo. Recém-saído do mar, banhado em sal, deixa grandes pegadas molhadas como poças de ouro líquido que logo se evapora.
Em dezembro, o céu fica mais longe, o anil se dilui e as nuvens constroem castelos na imensidão vazia. As tempestades de fim de tarde varrem para longe as moderações de ocasião. Afinal, a felicidade habita entre nós como um novo aplicativo com plena portabilidade. Basta baixar e usufruir, como todo mundo.
Continua depois da publicidade