Setembro não precisa pôr uma arma na nuca das sementes para que despertem de sua latência e sigam rumo à imensidão desconhecida, no esforço de serem algo mais que esse sono perfeito da inexistência. E, assim, outubro desemboca irresistível. Para muito além das florações, que a todos incendeiam com suas indecentes oblações de formas, cores e perfumes, são as sementes que excedem. Depositárias do antanho e prenhes de futuro, nelas se refaz a vida que continua.
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Da janela de meu tugúrio, vejo as saracuras com filhotes. As duas criaturinhas seguem atrás da mãe pelos rentes do chão onde os detritos da floresta apodrecem. A existência delas se resume a esse correr sem fim com o propósito único de manter a sua espécie. Há mil ofertas de mortes, mil maneiras facilitadas para desaparecer sem maior esforço e interromper essa sucessão de aflições a que damos o nome de vida. No entanto, persistem. Também a família de saguis está com dois recém-nascidos. Passam os dias agarrados às costas dos parentes adultos. Pais, tios e primos se revezam a carregá-los. Já nascem nas alturas, sempre à mercê de uma queda ou de um gavião, que em voos rasantes mergulha na mata nas sombras azadas de suas asas.
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E nesse Dia de São Francisco de Assis em que escrevo, teve o caso do pequeno gambá. Amanheceu paralisado no quintal, com o quarto traseiro levemente esfolado, mas o acidente provocou-lhe outras machucaduras. Os cães não acolhem, nem o repelem, e, numa curiosidade quase afeto, zelam pela sua presença. Quando o recolho, ele se agarra em meus dedos com as unhas, com o áspero do rabo e também com os dentes. Mas nenhum apego é maior do que o dos seus olhos, duas bolicas ressaltadas de espanto e pavor. Improviso um leito de jornal, uma porção de leite e banana picada. E o convido a sobreviver no aquecido de uma réstia de sol. Duas horas depois, está morto, e ainda crava na gente aqueles olhos fartamente arregalados.
Os casos se sucedem com lagartas, jacus, aracuãs e outros que só ouço no estalido de seus pios infantes. E há essa germinação torrencial de sementes e brotas, num colossal envidar de energia e vontade para cumprir cada qual o seu destino.
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