Nosso pai tinha cabelos estridentes, que ficavam muito bem comportados sob seu chapéu. Raras vezes o vi sem chapéu. Na igreja, se descobria com solenidade e fazia girar o feltro entre os dedos, numa calada impaciência. Dentro de casa, durante as refeições, ou ao pé do velho fogão, mateando num silêncio profundo e reverente, tinha a cabeça encapelada e ruiva. Essa era uma visão incomum, pois o chimarrão precedia a saída para a roça, antes de o Sol nascer, quando os pequenos ainda dormíamos.
Continua depois da publicidade
E havia a mateada do fim do dia, à ribeira da noite. Também àquela hora, os meninos estávamos extraviados, encimados em fuzuês à borda do sono. A hora do mate era coisa dos adultos, quando se proseava sobre o dia posto ou o de vir. Quando a conversa comezinha refugava e batia aquele silêncio denso como toicinho secando à fumaça, sentia-se uma lupa escavando no ouvido para que se escutasse o crepitar do fogo. Nessas vezes, me achegava meio de arrasto sobre o assoalho de tábuas lustrosas e cheias de cicatrizes queimadas por brasas antigas. Acostava à caixa de lenha e crescia os olhos para o alto de nosso pai, sentado numa velha cadeira de palha.
Leia as últimas notícias de Joinville e região.
Nessas horas, ele compunha o silêncio como um Beethoven. Cruzava as pernas, que pareciam imensas de meu ângulo rente ao chão, apanhava a cuia com um farfalhar, sugava a bomba de um modo pausado, como se intercalasse outro silêncio dentro da quietude prolongada. Quando terminava, repassava para nossa mãe, que repunha água quente e fazia com que a roda do mate girasse. Nosso pai era imerso novamente na tessitura silenciosa, trançando os dedos das mãos sobre os joelhos.
Se chovesse, era até de ascender aos lábios um assobio melancólico, trazendo os pensamentos mais remotos à flor do cenho, mas sem os aflorar sobre a noite. Abatido pelo sono sobre o caixote de lenha, levava-me à cama de palha seca em seus braços. Ele não sabia, mas naquele momento era eu que o carregava sonho adentro, para tê-lo em todos os agostos, sentado entre o fogão e a porta, com o cobre dos cabelos pela testa, num silêncio tão etéreo que ainda enternece o ouvido das estrelas mais longínquas.
Continua depois da publicidade