16 de junho, 17 horas. O bar irlandês na esquina com a rua Alexandre D. está fechado. Pelo vidro fumê, espio que há luzes ligadas lá dentro, mas ninguém à vista. O trânsito na rua Dr. João Colin é arrastado; do outro lado, as empadas do Jerke são um convite irresistível. Resolvo dar a volta no quadrilátero, descendo até a Dona Francisca, segui-la ao encontro da Princesa Isabel e depois subir até o ponto de retorno pela antiga rua do Norte, ganhando outra vez o cruzamento da Casa Tilp.

Continua depois da publicidade

Com essa mínima epopeia e um chapéu negro enterrado na testa, invoco o espírito do Bloomsday. O fim de tarde está úmido, frio e carrancudo, agasalhado em um cinza sem alma a se confundir com a cor do asfalto. Enquanto caminho pelas ruas centrais de Joinville – sem me preocupar se quem cruzo pelo passeio quer ouvir ou não -, vou lendo em voz alta alguns dos trechos preferidos de Ulisses, a obra de James Joyce que será celebrada dali a pouco no The Old McGallagher. E por uma fração mínima, a máquina mística do espaço-tempo duvida de si, precisamente no instante em que o poste de iluminação se acende dentro de outra noite, numa quadra em Dublin, no século pretérito.

Confira mais notícias de Joinville e região.

De volta ao pub, o primeiro a chegar é Zé Alfredo, o amigo paulista, agora estabelecido no Recife, que nos traz a prosa evocativa do seu livro “Cronomáticas”. Duas horas e algumas Guinness mais tarde, o Rubão já tendo se arrancado, em meio ao burburinho o personagem dessa noite, Harold Bloom, salta as páginas nas vozes que se alteiam de Borges de Garuva, Jura Arruda, Marinaldo Silva, Iara Borges, Flavia Witt e a surpreendente Jessica Michels.

21 de junho, a noite mais longa do ano começou exatamente “a las cuatro de la tarde” quando um morcego de asas empenadas alça voo curvo de um ponto obscuro dentro da mata, atravessa o tugúrio numa lentidão improvável, espanta o azul alado das saíras, pousa sobre o tabuleiro com frutas e devota-se a uma banana, devorando sofregamente aquela imitação da última claridade outonal. O entardecer intensamente úmido vacila entre névoa e garoa e torna ainda mais intenso o frio que cala como chuva de acúleos sobre a pele. O inverno tem fome e pressa, não se peja em projetar-se nas asas de inopino da notívaga criatura para seu azado intento de preterir o derradeiro ocaso desse outono prematuro.

Continua depois da publicidade