Foi bem escolhida a colina para instalar o cemitério evangélico. Desde dezembro de 1851, a suave elevação no Mittelweg guarda os entes inumados ao abrigado do sossego dos eternos. Tanto tempo depois, o Cemitério do Imigrante resiste como campo de paz. Fechado oficialmente em 1913, foi tombado pelo Iphan como patrimônio cultural nacional em 1962. Desde então, o sítio passou pela provação do abandono. Foi sucessivamente vandalizado, continua sendo derruído por caules e raízes de árvores e pelas garras obsessivas de heras e liquens, além de sofrer a lenta mordida do tempo, numa autofagia que não se consuma.
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Hoje, mais que um cemitério, é um outeiro para se observar o tempo. Numa Joinville sem parques, é um campo aberto à caminhada, à meditação e ao descanso, que não precisa ser eterno. Seguindo pelas sendas sombreadas que serpenteiam ou deambulando livremente pelos gramados, chegamos mais perto do eterno, essa ideia vaga a que estamos atados desde o primeiro suspiro. A cidade fica lá embaixo, cerceada de elevar sua sujeira sonora, broquéis verdejantes submergem casas e edifícios, carros e gentes, e nos expõe cruamente ao silêncio da pátina que se acumula nos túmulos. Até o alarido dos pássaros tem uma nota de melancolia, indiferentes aos passos do possível caminhante que assoma ao topo enquanto a vida passa despercebida. Há uma névoa seca pelo ar. Mesmo assim, teias de aranha nas alfombras ainda estão orvalhadas, formando um jardim cintilante de Edelweiss.
Não há qualquer intensidade na têmpora da tarde que se inclina ancorada em nuvens baldias e deixa transparecer um pressentimento do sol. Um frio desce pela pele junto com o suor que brota do esforço da subida; diante da bela vista, o corpo vem nos dizer essa humilde lição de partida e finitude. Aqui o inverno do tempo chega mais pela abreviação da luz que pela temperatura em queda. Repentinamente, a poeira da noite acumulada nos jazigos estremunha, põe-se a emboscar a claridade nos sombreamentos do bosque e cala as gargantas passarinhas, passos furtivos buscam alcançar o gradil onde a ferrugem cresta enquanto adormece de um sono mineral. Ávido por saber do passado, deslizo os dedos dos olhos sobre as inscritos nas lousas como quem pronuncia um nome amado, mas é só do futuro que as lápides me falam.
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