O filme “O Aquário de Antígona”, de Alceu Bett, se desenrola em dois planos. Um onírico, memorioso e sensorial; e outro que permite o exercício da lógica. Também duas poéticas se enlaçam. Há nas falas versos já clássicos do poeta Fernando José Karl, que assina o roteiro com Bett, e o lirismo também se derrama na essência dos personagens e nos grandes planos em silêncio. Mais que matizar o enredo, a ode é a própria substância da película. A obra não imita a realidade, mas a inventa dentro dessa premissa tensa e trágica de que tudo é instante, tudo se esvai, tudo está em outro tempo e lugar. O resultado é um filme belo e tocante, que agrada e humaniza na exata medida em que nos enleva.

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Cada sequência porta a carga de um percurso estético e cognitivo. Nesse recurso, revela-se a mão de Alceu Bett, que, na fração de um clique do exercício fotográfico, pratica a síntese extrema de compor uma experiência artística em uma única imagem. Com a intensidade expressiva de seus 24 quadros por segundo, o cinema sempre será pródigo na mão de um fotógrafo, permitindo uma construção em que a metáfora seja sempre uma escolha narrativa e sua linguagem por excelência. Essa é uma das exuberâncias desse filme, especialmente na cena da travessia do Estige, que já nasce antológica.

Dos atores, inevitavelmente Severo Cruz se impõe. Sua presença se equilibra sobre o fio dificílimo em que não se discerne o quanto vive enquanto interpreta. Também Robson Benta e Borges de Garuva, mesmo em participações breves, estão entre seus melhores desempenhos. Bela e onipresente, Amanda Felski Peres empresta rosto ao mistério. A fotografia foi toda feita com iluminação orgânica, um desafio luxuoso executado com maestria por Amir Sfair Filho. A um bom filme é imprescindível uma trilha de qualidade. E nesse caso, ela funciona de forma suntuosa, tanto a original de Guappo Sauerbeck, quanto a reproduzida, em especial a “Lacrimosa”, de Mozart.

Viver é levar o barco-corpo-aquário para o mar. É o caminho desse fragílimo viajante rumo ao seu destino. Um peixe atravessa o filme como alegoria da condição humana. Está dentro do aquário, como a vida dentro do corpo, como a projeção dentro da tela, um recipiente limitado e ao mesmo tempo cósmico.

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