Salim era um sotaque de bigodes. Ambos fartos, imediatamente identificáveis, mas indefiníveis. O bigode, logo se sabia, era cara herança libanesa. Havia uma orientalidade milenar naquele rabo de andorinha sobre o lábio superior. O sotaque foi sempre um mistério, máxima referência à sua mínima Biguaçu, às suas andanças por livros, terras, gentes e mundos. Grandes rios de afeto rolam naquela voz e no circunflexo que lhe acentua a fotografia e o modo de falar, eternizados em seus livros.

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Era um escritor talhado nas redações – nas impuras redações de jornal -, onde tudo ocorre ao mesmo tempo e jamais se pode depender de um clima inspirador para produzir. A escrita não foi uma incumbência mística, muito menos um chamado das musas, mas a tarefa de organizar as ideias e pô-las no papel com alguma estética e toda ética. Sua força está na verdade. Muitas vezes tramamos publicações, guardo-lhe a imagem da imensa generosidade. Era homem de falar pelo telefone, de enviar pelo correio e de contar à roda de uma xícara de café. Salim era um coletivo, jamais falava de si sem trazer outro nome, um escritor inédito que merecia publicação, um título fora de catálogo que necessitava reimpressão, uma sugestão de leitura que se lhe afigurava indispensável. Era sempre uma lembrança doce, um olhar de estima, um desejo de não se fazer notável senão na grandeza de outrem. Trabalhamos algum tempo em um projeto sobre Guido Wilmar Sassi. Salim tinha verdadeira devoção pelo autor de “Piá“, a ponto de dizer que ele entraria para a história da literatura catarinense, mesmo que não tivesse escrito nenhum livro, pelo simples fato de ter “descoberto” o Sassi escritor.

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Certa feita, à mesa em um café de Florianópolis, com Adolfo Boos Jr., Salim foi puxando de mansinho o fio de “Burabas“, o romance que Boos estava a escrever, mas não conseguia concluir. Salim ficou com olhos de menino em noite de Natal, encantados com a obra inconclusa do amigo. Mesmo com aquele ar de urso desinvernado antes da primavera, Boos relatava com minúcias a madrugada de um caboclo entrincheirado num reduto, durante a Guerra do Contestado, dizia da miríade de estrelas e da metralha inimiga que lhe fazia mira. Salim se foi no plenilúnio de abril. Ao fim, o melhor que pode acontecer, é morrer ao luar. Como naquela noite descrita por Boos.

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