Os fogos de fim de ano chegam bem antes do Natal. Começam com estrondos isolados, vão se intensificando no decorrer dos dias e atingem o auge na hora da virada. É um tempo de terror para cães, gatos, aves, humanos e sabe-se lá quais outras vítimas menos notáveis. Saio a andar pela cidade no meio da artilharia dessa noite infame. Uma alegria embriagada vaza por janelas, sacadas e quintais, interrompida pelas explosões dos foguetes.
Continua depois da publicidade
Nas ruas, há cães solitários andejando a esmo, salivando com a língua de fora, os olhos vidrados, a respiração acelerada, de orelhas acesas e o rabo murcho. A cada estrondo, aflora-lhes uma corrida retesada. Fugir para onde? Andam desnorteados, num passo apressado, sem se darem conta de cheiros ou direções. Atiçam-nos os fogos, mas também os ganidos de outros cães por atrás das paredes.
Confira mais notícias de Joinville e região.
Um cachorro preso, agredido pelos estampidos, parece aquele demônio da Tasmânia que a gente via no gibi. Os olhos injetados arregalam para fora da órbita, usa patas e dentes para escalar a porta e chegar até a janela. O desespero dobra sua força, ele sangra nas unhas e na boca: baba, gane, treme por inteiro e sua sem parar, soltando sons alucinados. Anda de um lado para o outro, farejando qualquer ponto para fugir. Depois que o bombardeio acaba, queda num canto, extenuado, no estertor arfante, deixa a língua caída sobre o piso. Não importa o tamanho, a única forma de lhe acalmar é pegá-lo no colo, como a gente faz com uma criança apavorada. Nunca mais vão reconstituir o semblante antigo. A cada chuva, a cada trovão, o terror lhes afligirá.
Nos dias que seguem, os fugitivos vão deambular sem rumo pelas ruas, as coleiras denunciam sua procedência, mas não os ajudam a voltar. Alguns permanecerão acuados pelos cantos, irreconhecíveis e agressivos. Despreparados para viver no abandono, padecem de sede e fome, logo vão definhar ou serão vitimados pelo trânsito. Muitos tutores sequer dão-se ao trabalho de procurá-los. As bombas mais fortes ecoam pelas árvores e um revoo de asas aflitas percorre a floresta aqui ao lado. Os filhotes abandonados vão morrer de fome nos ninhos.
Continua depois da publicidade