Tenho passado os melhores momentos desse verão no Cemitério do Imigrante de Joinville, onde atuo, desde o último julho, como restaurador assistente. Quando não me encontro no outeiro das almas, estou naquela saleta abafada sob a rampa do Centreventos, onde auxilio na produção de moldes em silicone para dar segurança ao acervo de Fritz Alt, o grande gênio escultórico de Santa Catarina, embora tenha nascido na Alemanha. Tanto a restauração quanto a salvaguarda das esculturas são iniciativas particulares custeadas com dinheiro público, por meio do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec).
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São dois patrimônios públicos, marcos na história, na memória, nas artes, na autorreferência e na constituição daquilo que pode ser definido como o “ser joinvilense”. Embora o cemitério se componha essencialmente de argamassa cimentícia, pedra e metais (ferro e aço), está se desmanchando como sorvete ao Sol, devido à má conservação e ao vandalismo. A obra de Alt também se deteriora, mesmo aquela fundida na solidez do bronze, como o Monumento ao Imigrante, insistentemente danificado. Mais frágeis ainda são suas peças em gesso, que se deterioram há, no mínimo, meio século.
São trabalhos árduos e delicados ao mesmo tempo. Envolvem os esforços de um pedreiro, a precisão de um químico, a persistência de um contorcionista, a tenacidade de um ginasta e a sensibilidade de um artista. Ganha-se menos que trabalhar na construção civil, mas aprende-se mais que frequentar a universidade. Atuo sob a supervisão de dois mestres, o escultor Pita Camargo, uma referência catarinense no ramo, e a restauradora Gessonia Leite de Andrade Carrasco, um paradigma nacional na sua área. Neste momento, dedico-me ainda a editar duas obras, a escrever um romance e mais um livro de história, além de gravar um documentário. Para dar conta de tudo, é preciso começar antes de o Sol nascer e não parar antes de zero hora. Inclusive nos finais de semana e feriados.
O labor da cultura é um trabalho como outro qualquer, embora amiúde tenha sido muito mal interpretado. O que nos motiva é a certeza de que o futuro, bem antes do Juízo Final e indiferente às ilusórias certezas do poder transitório, há de condenar cada um de nós à eternidade da pequenez ou da grandeza daquilo que fizermos no presente.
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