Na contramão do governo português, que festeja a ligeira queda nos índices de desemprego no país no segundo trimestre do ano, o economista lusitano Joaquim Ramos Silva não vê muita razão para comemorar. O especialista credita os bons resultados a um esforço dos políticos para dar uma aparência melhor ao cenário econômico – de olho nas eleições municipais, que devem ocorrer nesse segundo semestre. Autor do livro “Portugal, a Europa e a Crise Econômica e Financeira Internacional”, Silva afirma que o país vive o resultados das suas próprias escolhas e que faltou preparação para concorrer no mercado único europeu, bem mais exigente .
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Zero Hora – Depois de anos, a Europa começa a dar algum sinal de recuperação. A retomada econômica, no entanto, não corre da mesma maneira em todos os países. Como está a situação em Portugal hoje?
Joaquim Ramos Silva – Apesar do panorama geral de crise, em especial no sul da Europa comunitária, cada caso é um caso. Em Portugal, os resultados do segundo trimestre de 2013 foram mais favoráveis, com ligeiro crescimento e pequena redução da taxa de desemprego, depois de mais de dois anos de quedas constantes. Mas, de maneira nenhuma podemos concluir que se trata de uma tendência duradoura, a situação continua muito delicada. Além disso, este mês haverá eleições municipais, que são importantes no atual contexto e sabemos como os governos procuram influenciar estes resultados, criando artificialmente no curto prazo um clima econômico, na aparência melhor do que é na realidade. O clima de pessimismo persiste, para o conjunto da população não são ainda claros os resultados dos sacrifícios que tem vindo a fazer nos últimos anos, com cortes profundos nos salários, mais horas de trabalho, impostos pesadíssimos e generalizados, maior desemprego, restrições de toda a ordem na sua vida pessoal.
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ZH- O pior da crise já passou? Quais são os desafios para Portugal daqui para frente?
Silva – Provavelmente, estamos agora a bater no fundo, no que diz respeito à crise macroeconômica -crescimento da dívida pública, desequilíbrios profundos nas contas pública e corrente, recessão -, mas a crise estrutural da economia portuguesa que está na raiz de todos estes problemas continua inteiramente de pé, como referi num texto publicado em 2012. Por exemplo, os problemas de organização competitiva da produção, que são fulcrais para nós, continua no essencial por resolver e temos recuado no “Doing Business”. Outro exemplo que poderia dar, diz respeito à debilidade estrutural do nosso setor financeiro. Com certeza, a crise não será eterna, mas temos ainda um longo caminho para percorrer. Infelizmente, não temos espaço para tratar de tudo isso.
ZH- Quais foram as principais marcas que a crise deixou?
Silva – Uma das marcas mais significativas desta crise vai ser sem dúvida o abandono massivo de mão-de-obra qualificada. Historicamente, estamos acostumados à emigração, mas, nos últimos anos, esta alterou-se qualitativamente, emigrando os que têm mais aptidões e maior capacidade produtiva. Este facto terá impacto na recuperação da produtividade, que é comparativamente na UE, bastante baixa, podendo portanto agravar os problemas estruturais de que sofremos. Uma lição que se pode tirar é, sem dúvida, a importância de uma boa e prudente gestão macroeconômica para obter resultados económicos e bem-estar para a população. Se a lição foi aprendida, infelizmente não o podemos dizer, o poder político é sempre muito tentado a prometer “mundos e fundos”, sem cuidar de criar condições para tal. Desde o final dos anos 1970, já tivemos três resgastes financeiros, via FMI.
ZH- Durante os cinco anos de crise, Portugal amargou períodos de crescimento negativo, viu o tamanho da dívida pública dobrar e a taxa de desemprego subir. Esses resultados são consequências exclusivas da crise internacional ou também reflete escolhas ruins da politica doméstica portuguesa?
Silva – No caso de Portugal, e na minha opinião, a má situação e que nos encontramos é sobretudo resultado de políticas erradas nacionais. A crise internacional apenas despoletou e deu maior ênfase à crise interna, tornando-a óbvia e evidente para todos. Qualquer análise dos nossos indicadores dos últimos dez anos, para não irmos mais atrás, prova isso mesmo. A preparação da nossa economia para concorrer no mercado único europeu, muito mais exigente, não foi feita. Menos ainda para enfrentar “os tigres asiáticos” na globalização, ou semelhantes objetivos. Por exemplo, tal como os países com sucesso económico na Europa, temos de dar grande prioridade ao chamado setor de “bens e serviços transacionáveis”, ora isso também não foi feito. Naturalmente, há empresas e setores que se comportaram bem, mas foram mais a exceção do que a regra, o processo de maneira nenhuma foi sistémico.
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ZH- A Alemanha tentou impor determinadas medidas como condição para liberar ajuda financeira para os países em crise. Analistas, no entanto, criticam o que chamam de “ingerência alemã” sobre economia alheia. Houve algum arranhão diplomático na relação entre Portugal e Alemanha?
Silva – Aqui também tem havido protestos, talvez menos noticiados do que noutros países. Existe alguma sensação na população acerca da responsabilidade própria dos nossos políticos, apesar de muitos se tentarem desculpar com o FMI, a Alemanha, Ângela Merkel, etc. Ao contrário da Espanha ou Itália por exemplo, a elite política portuguesa conduziu o processo no sentido de a crise ser diretamente dirigida e tratada pela “troika”, combinação FMI/BCE/CE. É a “troika”, onde os três pilares funcionam com alguma autonomia, que tem sido mais visada nos protestos , o nosso contencioso histórico com a Alemanha é menos óbvio do que o da Grécia, pelo que não tem levado a grandes fricções diplomáticas bilaterais – mesmo o governo anterior de José Sócrates teve claro apoio da Alemanha nas suas políticas de combate à crise, apesar de algumas diferenças das políticas atualmente seguidas.