Um dos maiores nomes da MPB, o cantor e compositor João Bosco, estará em Florianópolis nesta quinta-feira (10) participando do TUM Festival. Celebrando 50 anos de carreira, ele conversou com a reportagem do NSC Total. No show, promete relembrar clássicos como O Bêbado e o Equilibrista, Papel Machê e Corsário, além de faixas do recente álbum Abricó-de-Macaco – com o qual recebeu um Grammy Latino. O artista relembra momento marcante em Santa Catarina, a parceria inesquecível com Elis Regina e também comenta o cenário político atual.

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Durante mais de 40 minutos de conversa no telefone, com voz suave e tranquila, João Bosco contou histórias das amizades com verdadeiros agentes da história da música brasileira. Em um paralelo de quem viveu a ditadura militar fazendo música e também vive o Brasil atual, ele relata a história de O Bêbado e o Equilibrista e comenta a atualidade da canção neste ano.

Além disso, rememorou saudoso o grande amigo e parceiro de música, Aldir Blanc, que morreu em 2020, vítima da Covid-19. A música Abricó-de-Macaco, do último álbum lançado, tem trecho em homenagem ao parceiro, que nunca pôde ouvi-la. Essa mesma canção rendeu o Grammy Latino de 2020 e intitula a turnê atual.

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No show que João Bosco fará em Florianópolis, ele estará acompanhado dos músicos Kiko Freitas (bateria), Guto Wirtti (baixo) e Ricardo Silveira (guitarra) e interpreta sucessos do meio século de carreira, além das músicas recentes. A apresentação acontece às 21h na quinta-feira (10) no Teatro Ademir Rosa, no Centro Integrado de Cultura (CIC). O evento integra a programação do TUM Festival, os ingressos estão disponíveis em blueticket.com.br e sócios do Clube NSC têm 50% de desconto.

Cantando durante a entrevista versinhos que falam sobre um pescador, João Bosco relembra a memória mais marcante entre as vindas ao Estado. Animado, ele relembra com detalhes momento que passou muitos anos atrás.

Confira a entrevista completa abaixo.

Você tem alguma memória marcante de show em Santa Catarina?

Sempre fiz shows geralmente no CIC, lembro que conheci alguém aí em Florianópolis que me perguntou se eu gostava de peixe e eu disse que adorava frutos do mar. Então ele disse assim: “eu conheço um pescador, que fica distante daqui, porque mora numa casinha na beira do mar, mas ele faz um peixe fantástico, você não quer ir lá?”. Achei que seria uma coisa que ia ficar só no “vou te ligar para a gente ver”. No dia seguinte, o cara chegou no hotel e disse “vamos lá”. Eu me lembro do sabor do peixe que foi impressionante. Tenho sabor desse peixe, quem sabe um dia eu faça uma canção sobre esse sabor. Era fora do comum.

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O show no TUM Festival é comemorativo dos seus 50 anos de carreira. Se você precisasse escolher, qual foi o melhor e o pior momento da sua carreira musical?

Melhores momentos são muitos, poderia destacar alguns encontros fundamentais para minha vida. O primeiro, com o Vinicius de Moraes, em 1967. Depois, com o Aldir Blanc, em 1970. E, por fim, com a Elis Regina, em 1972.

Vinicius abriu as portas da MPB para mim, foi uma espécie de mentor, estimulou um jovem estudante a se interessar pela história da música popular e depois ele mesmo foi um grande incentivador da dupla João Bosco e Aldir Blanc. A Elis também interpretou lindamente as músicas.

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Momento ruim não diz respeito a minha carreira, mas sim de dificuldades que todas pessoas estão sujeitas. Foram perdas. A perda do Vinicius, a da Elis, ainda muito jovem, a do Jobim e, a mais recente, do Aldir Blanc em 2020, vítima da Covid-19.

Em 2020 você e seu filho Francisco ganharam o Grammy Latino pela Melhor Canção da Língua Portuguesa pela faixa que dá nome a sua turnê atual, Abricó-de-Macaco. Como surgiu a ideia de trabalhar com ele?

O Francisco é o artista da casa. Eu sou o pai do Francisco. Ele que sabe das coisas. Eu tinha o projeto de fazer disco sobre o mundo árabe porque sou descendente de libaneses. Francisco virou para mim, disse que tinha ouvido as músicas que eu estava fazendo e gostaria de experimentar. Ele era muito jovem, era por volta de 1996, ele tinha 20/21 anos. Ai eu falei: vamos experimentar. Ele escreveu todas as letras do disco As Mil e Uma Aldeias e seguiu colaborando depois.

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Na Abricó-de-Macaco tem um verso que é do Aldir e ele coloca na letra como homenagem. Esse DVD foi gravado ao vivo em novembro de 2019 e o Aldir faleceu em maio de 2020 de Covid-19. A gente não podia lançar o disco porque Aldir ficou doente e ficamos esperando ele melhorar para lançar. Ele acabou não saindo [do hospital] e a gente ficou nessa situação de perda imensa e o disco ali, que o Aldir não conheceu, mas era um samba que a gente tinha feito em homenagem a ele.

Uma lei de incentivo à cultura durante a pandemia de coronavírus foi criada com o nome de Aldir Blanc, em homenagem ao artista. O que você achou dessa escolha?

Achei apropriado porque o Aldir foi sempre um letrista, jornalista, escritor, pensador. Ele sempre viu heróis nas pessoas comuns, que estão na luta do dia a dia. A lei está justamente para ajudar as pessoas que necessitam e o Aldir fez isso ao longo da sua carreira, [a lei] vem de encontro a esse amor que ele tinha pelos brasileiros e o nosso país.

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Você comentou sobre a Elis Regina. Ela gravou a música de sua autoria, O Bêbado e o Equilibrista, que é um marco político. Como a letra dessa canção foi pensada?

Essa música começa com uma ideia chapliniana, feita em função da morte do Charles Chaplin, em 1977. Todos filmes do Chaplin tinham essa visão de estar do lado das pessoas menos favorecidas, todos têm essa espinha dorsal. Ele por si só já é uma pessoa que vive na rua com dificuldade, mas nunca perde o humor, está sempre querendo ajudar, tem uma necessidade de amar que sobrepõem a todas as dificuldades. Ou seja, embora a esperança seja algo equilibrista, que está sempre ali naquela corda, o show não deve parar.

Acabei fazendo um samba e fui para Minas, na casa dos meus pais, no fim de ano. Quando voltei para o Rio, mostrei essa música para o Aldir e ele então fala sobre esse “bêbado trajando luto me lembrou o Carlito”. Aldir transfere para situação politica brasileira daquele momento, que era a ditadura militar. Haviam pessoas que tinham sido torturadas e muita gente morreu nessa época em função da repressão. Aldir pega essas pessoas [que viram familiares serem vítimas da opressão], como a esposa do jornalista Vladimir Herzog, chamada Clarice.

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A Elis grava essa musica de uma forma muito contundente. Ela se identifica imediatamente com essa canção e chama pra si um tipo de interpretação tão especial, que parece que ela é autora daquilo, e de fato ela passa a ser. Essa canção foi muito além daquilo que a gente pensava, virou o hino da anistia, muito pela paixão com que a Elis gravou essa canção.

Que tom você acha que O Bêbado e o Equilibrista tem em 2022, após eleições, Brasil dividido e protestos?

É uma canção que vai falar sempre de esperança, liberdade e vai falar da luta, que é constante. Toda vida está ligada à política, não dá para separar uma coisa da outra. Dizer é ser político e ser político é dizer. Haverá sempre pessoas pensando diferente, embora a razão seja comum a todos, cada um tem seu jeito próprio de viver a vida. O que eu acho é que vivemos tempos de intolerância por não percebermos isso mais, houve um momento em que se tinha opiniões políticas diferentes e convivia-se no diálogo, era possível. Nesses tempos recentes, por razões que eu acho que a gente precisaria de um cientista político ou psicanalista para explicar mais profundamente, foge ao nosso alcance entender esses acontecimentos recentes. A gente não conhecia um Brasil que de repente tem essa dualidade tão intensa, tão hostil e estamos aprendendo também agora que existe e é preciso lidar com isso. Só conseguiremos seguir em frente se somarmos nossas diferenças.

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Como era a sua relação com a Elis Regina?

Foi uma amizade muito exclusiva, intensa, que durou cerca de 9 anos. Ela é uma pessoa simplesmente admirável, uma grande artista, que tinha uma percepção do mundo com autenticidade, personalidade. Pessoa de uma intuição fantástica e estava sempre a procura de alguma coisa que tivesse juventude, novidade. Ela era incansável. Tanto se vê da história dela que todos compositores da minha geração e anterior passaram por ela, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Edu lobo, eu, Gonzaguinha, Belchior. Ela nos deu aquela luz que só a Elis com seu talento podia proporcionar.

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