Jérôme Valcke voltou a Porto Alegre após um ano, visitou o Estádio Beira-Rio e gostou do que viu. O secretário-geral da Fifa, homem responsável por fazer a Copa do Mundo de 2014 acontecer, também comentou sobre as manifestações populares contra a competição, e disse que elas prejudicam a imagem do Brasil, e não da Fifa. Ele também disse não saber o quê esperar da competição no ano que vem. Depois de visitar o estádio com Ronaldo e Bebeto e almoçar com o ministro Aldo Rebelo, o francês falou ao Grupo RBS, minimizou atrasos e ressaltou que a escolha de sediar a Copa foi do Brasil.

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– Não é a Fifa que pede a um país para organizar a Copa. É uma escolha. Quando eu escolho algo na vida, assumo.

Confira alguns trechos da entrevista.

Grupo RBS – A Fifa sempre destaca o legado positivo da Copa. Por que parte dos brasileiros protesta contra o Mundial?

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Jérôme Valcke – Talvez não estejamos bons em comunicar da melhor forma os benefícios. Talvez parte do país está usando a Copa como plataforma para criticar não a Fifa, mas, indiretamente, o país. Houve um compromisso do presidente Lula, desde o primeiro dia, que a Copa fosse jogada em 12 estádios. Isso foi um pedido do Brasil, não da Fifa. E dissemos sim, mas isso significa multiplicar por 12 o número de problemas potenciais.

Grupo RBS – Há descontentamento com o Mundial, em parte pelo alto custo. É justo responsabilizar a Fifa?

Valcke – Eu nunca diria que é justo, é claro. Temos responsabilidades, mas o Brasil também. O país pediu para receber a Copa e investir um nível de dinheiro para isso, não a Fifa. O Mundial é usado para impulsionar um grande número de obras em mobilidade urbana, educação. A Copa traz muitas expectativas. Nós só podemos ser responsáveis por coisas reclacionadas ao futebol. O que não tiver a ver com futebol é injusto dizer que tem a ver com a Fifa.

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Grupo RBS – Essa situação é uma lição para a Fifa sobre comunicar-se e negociar melhor com os países na hora de acertar a Copa? Há, por exemplo, debates na Suíça sobre perguntar antes à população a respeito de receber ou não algum megaevento.

Valcke – Concordo. Reconheço que na próxima escolha da sede, temos que introduzir – e isso é um debate que o comitê executivo deve fazer – o pedido de que o acordo não seja assinado só pelo presidente, pelo governador ou por ministros diretamente envolvidos, mas pela mais alta representação. Na Suíça, seria o Referendum, no Brasil seria o Congresso, na França seria a Assembleia Nacional, nos EUA o Congresso. Assim, haveria uma votação. Não significa que vá precisar 100%, mas pelo menos você precisa 51% de concordância, maioria simples, para haver o reconhecimento de que teve uma votação, as discordâncias foram expressadas, e no fim a maioria aceitou e apoia a candidatura. Aí não há uma luta contra a Copa. Às vezes, sentimos que a cada mês, a cada 2 meses, a cada seis meses, algo surge para desafiar a organização da Copa. O principal é básico: não é a Fifa que pede a um país para organizar a Copa.

Grupo RBS – É uma escolha.

Valcke – É uma escolha. Quando eu escolho algo na vida, eu assumo. Não digo “ei, vou lá” e na hora “ah, não, vou voltar”. “Não vou pagar pelo que estou comprando” ou “não vou apoiar o que fiz”.

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Grupo RBS – Você acha que o Brasil deveria reavaliar essa questão?

Valcke – Precisamos ter certeza de que o dinheiro gasto em infraestrutura servirá no futuro. O estádio não pode ser usado só para seis ou sete jogos. A chave é usar a Copa do Mundo para fazer o que é preciso, para melhorar ou aumentar a infraestrutura para jogar futebol, jogar bola nas melhores condições.

Grupo RBS – Quanto os conflitos entre manifestantes e policiais preocupam para 2014? Isso fere a imagem da Fifa?

Valcke – É um problema de imagem mais para o Brasil. Qual é o risco para o próximo ano? Não faço ideia. É uma minoria que cria problemas nas manifestações. Pode acontecer de novo e não temos muito o que fazer: é uma expressão social de insatisfação. Futebol pode aproximar as pessoas, mas não para resolver os problemas do país.

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Grupo RBS – As obras de mobilidade urbana em Porto Alegre atrasaram, e o foco agora são naquelas próximo ao Estádio Beira-Rio, que estão mais avançadas. A Avenida Tronco, por exemplo, não ficará pronta a tempo para a Copa e serviria para desviar o trânsito dos jogos. Terá de ser feito um esquema especial para a circulação durante o evento. Preocupa que haja improviso? Como você avalia o que viu em Porto Alegre?

Valcke – Improviso, quando você tem um evento deste tamanho, é normal. Está acontecendo. Você precisa é ter certeza que é um improviso que você pode controlar, que não é pensado no último minuto, mas trabalhado antes. É o que estamos fazendo. Claro que haverá projetos não finalizados, por várias razões. Mas o importante é que eles sejam concluídos, mesmo que depois da Copa. Porque é parte fundamental do legado para a cidade ou para o país: no Mundial, você está trabalhando em projetos para ajudar as pessoas a terem uma vida mais fácil, como por exemplo no deslocamento de suas casas para seu trabalho. Sempre que temos a impressão de que algo não ficará pronto, discutimos com as cidades uma alternativa. Queremos garantir que seja fácil ir do aeroporto ao estádio, do estádio ao hotel. Estamos falando dos torcedores e de vocês, da mídia. Os times não têm problema; eles têm escoltas, batedores, chegam dois dias antes do jogo. Tivemos boas lições na Copa das Confederações. Muita gente dizia “vai ser difícil, vai levar tempo”, mas no fim não foi tão mau. Então temos de aprender com a Confederações, tivemos um bom estudo dela, e agora sentar com as cidades para garantir que, se algo não estará pronto, temos ainda seis meses para trabalhar alternativas. Improvisação no último minuto é a o pior, então temos de organizar o improviso.

Grupo RBS – E como está o Beira-Rio?

Valcke – Em primeiro lugar, o estádio está perfeitamente pontual. Bebeto e Romário disseram que o campo é um dos melhores. Porque você vê: é bom porque começaram a plantar em fevereiro, então houve tempo para a grama crescer. Além disso, (o Beira-Rio) é uma boa lição para outros estádios que, na Copa das Confederações, acharam que em três meses daria para ter um bom campo. Não é verdade, leva tempo. Então é por isso que acho que a cidade está indo bem, não estou muito preocupado. Além disso, vocês têm uma cultura tão forte de futebol, que não há chance de Porto Alegre não apoiar a Copa do Mundo.

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