Na época dos escritores com status de popstar, o espanhol Javier Marías, 61 anos, que lança esta semana no Brasil seu novo romance, “Os Enamoramentos”, é a imagem acabada da contramão.
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Pouco fala, não tem simpatia por entrevistas, palestras ou festivais literários (“sinto calafrios de me imaginar em uma cidade pequena e cheia de escritores”, disse sobre a Flip). Também não usa celular nem e-mail, e apregoa que escritores devem ser lidos em vez de escutados. No que muito se assemelha ao Nobel de literatura sul-africano J.M. Coetzee, de quem coleciona elogios públicos.
“Acredite, pode-se viver perfeitamente sem ser ‘contemporâneo'”, disse ele em entrevista datilografada e enviada via fax, de Madri, onde vive. Tampouco do ponto de vista literário Marís é um autor, digamos, fácil. Prioriza narrativas intrincadas, frases longas e enredos entremeados de elucubrações que se assemelham a pequenos ensaios à medida que desenvolve as tramas. Na última delas, se pôs a investigar o estado de enamoramento, uma espécie de arrebatamento a que muitos dão o nome de amor.
Não que seja uma novidade em sua obra. Esse sentimento e tudo que lhe cerca (“o segredo, a traição, a suspeita, a persuasão e a insegurança”) já estavam presentes nos livros que o consagraram, como a trilogia “Seu Rosto Amanhã”. Assim como em Coração Tão Branco, de 1992, seu maior sucesso, sobre o qual ele diz não fazer ideia de como vendeu mais de 1 milhão de exemplares na Europa e nos Estados Unidos. Instado a definir o amor, Marías se esquiva:
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– Ele pode se adaptar a várias formas, mas a mais comum delas é a impressão de que não se pode viver sem a pessoa que se crê amar.
A curiosidade acerca desse assunto é o que move María Dolz, a protagonista de “Os Enamoramentos”. Para ela, Miguel e Luisa, observados diariamente à distância, são o que lhe parece um casal perfeito. Após a morte trágica de Miguel, María se aproxima de Luisa e tem a chance de esmiuçar a relação pregressa e o sentimento que a movia. Sobra pouco de suas especulações ingênuas.
– Apesar de nobre, não esqueça que o amor muitas vezes transforma a pessoas em seres mesquinhos – diz Marías.
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Autor de 15 livros e formado em letras e filosofia e com longa carreira acadêmica (lecionou nas Universidades de Oxford e Madri e no Wellesley College de Boston), ele abomina cursos de escrita criativa e diz que da experiência em sala de aula lhe restou um método de “atuar em público”.
– Se algum dia me obrigassem, com uma pistola apontada para a cabeça, a dar um cursos desses, eu não saberia dizer o que deve ou não ser feito, como ou não escrever, desse ou daquele modo.