A falta de parques e o excesso de concreto nas praças de Joinville estão produzindo um fenômeno interessante e louvável, testemunhado com frequência cada vez maior: o reencontro da população com os jardins do Museu de Arte de Joinville (MAJ). Não são casos isolados, nem mesmo uma ocorrência nova, já que a casa de Ottokar Doerffel foi o epicentro cultural da cidade em tempos longínquos.
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Hoje, porém, não é só de saraus ou eventos agendados que vive o lugar. Ao redor da lagoinha, entre bancos e obras de arte, no frescor da grama, o joinvilense percebeu que tem um oásis verde (e de valor histórico) no centro do caos urbano para encontrar a si e ao outro, seja sossegando o passo, seja batendo tambores.
Uma passada no local a qualquer hora do dia, da noite ou da madrugada mostra que os jardins do MAJ são ponto de encontro para diferentes tipos de pessoas e “tribos”. Há os que fazem piquenique, os que vão para tocar violão, os que sentam para uma jogar conversa fora, os que praticam tai chi chuan, os que se aquecem para a balada ou descansam depois dela, e os que apenas observam isso tudo acontecer.
Sem contar as despretensiosas reuniões marcadas pelas redes sociais que se espalham como fogo no mato.
– Acho que o que aconteceu é que o espaço começou a ser habitado pelos mais diversos tipos de pessoas e transformou-se em um local de encontro com o outro. Um lugar onde é possível experimentar algumas formas de sociabilidade. É um movimento muito bonito de ocupação do espaço pelas pessoas – reconhece Melanie Peter, que mora perto do museu e aproveita constantemente seu amplo espaço livre.
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Ela só lamenta a pouca paciência que agentes da Guarda Municipal têm com alguns frequentadores, especialmente os mais boêmios.
O grupo LDRV, que reúne pessoas da comunidade LGBT e simpatizantes em uma página no Facebook, espera só amizade e bons momentos no primeiro encontro “cara a cara” de seus participantes – a reunião está marcada para este sábado, mas ficará para domingo em caso de chuva. Cerca de 200 pessoas devem aparecer nos jardins do museu, escolhido por ser um local aberto e conhecido ponto de encontro na cidade, inclusive servindo de sede de eventos como o Luau da Diversidade.
– Na minha opinião, Joinville não tem tantos espaços culturais quanto se espera. Tanto a rua das Palmeiras quanto outras praças não são muito seguras. Faz sentido que os encontros sejam no MAJ – explica a organizadora Anne Elise.
– É um local muito gostoso de se estar, aconchegante. Tem o lago, as árvores, a localização, tudo isso contribui para o conforto de quem vai lá.
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Anne Elise enxerga o MAJ como um local perfeito para vivenciar a diversidade
Também marcado para este fim de semana, mas no Mercado Público, o MAJ Sounds começou no museu em março de 2012 e lá ficou por cerca de um ano. Saiu, mas manteve o nome. Um dos criadores, o DJ Roger Thiago, diz que o gramado do MAJ foi a primeira opção para instalar a festa por ser um lugar aberto, bonito e marcante da trajetória da cidade, histórica e culturalmente falando.
– Hoje já tem muitas casas em torno do MAJ e isso dificulta a realização de eventos. Mas acho que aquele lugar poderia ser mais bem aproveitado pela Prefeitura. Na minha opinião, Joinville é uma cidade industrial e com poucos espaços destinados à cultura sem fins lucrativos – nota o DJ.
Outro que deixou o espaço aberto do museu foi um grupo de tai chi chuan, que por anos costumava ser visto por lá nas manhãs de sábado. Um dos motivos foi o corte do bambuzal, que provia uma agradável sombra aos exercícios, segundo o jornalista Domingos Miranda. Independentemente disso, ele considera que o lugar tem uma energia e um visual positivos.
– Eu tenho ido pouco lá, mas sempre foi um local que as pessoas procuravam, para várias atividades. Vi muitos casais de noivos tirando fotos de casamento lá. Outros iam tocar música, e também tinha quem preferisse encher a cara naquele recanto – conta Domingos.
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Há, ainda, os que elegem o MAJ como ponto de partida para uma boa batucada, como aconteceu no último Carnaval, quando os grupos de maracatu Morro do Ouro e Tambor de Maryias saíram do museu promovendo um “arrastão” rítmico pelo Centro. A escolha se deu porque os organizadores sabiam que haveria gente no local, usufruindo o feriado num dos poucos espaços de Joinville que oferecem convívio ao ar livre.
Para Vinícius Ferreira, do Grupo Morro do Ouro, as praças da cidade não são feitas para se ficar nelas por muito tempo.
– Acho que o MAJ é um dos poucos lugares na cidade em que é possível sentar na grama, trocar uma ideia, tocar um violão sem precisar pagar entrada, com fácil acesso para muita gente. Acho que a carência de outros lugares assim na cidade concentra tanta gente neste local – afirma Vinícius, para quem o uso dos jardins só não é bem visto pelos que “não aceitam muito bem tanta gente diferente junta, ainda mais essa gente sendo feliz num espaço em que não se paga entrada”.
Espaço requer melhor estrutura para receber frequentadores
– Na minha experiência de vida acadêmica em arquitetura e urbanismo, aprendi que parques e praças fazem parte das cidades como um equipamento urbano necessário para o uso de seus habitantes – reflete o arquiteto (e ex-diretor do MAJ) Marcos Rück, que viveu a experiência dos parques como “organismos vivos” quando estudou em Munique, nos anos de 1980.
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Rück percebe que o entorno agradável do MAJ virou referência para o encontro de variadas tribos joinvilenses, mas acha uma pena que poucos desses frequentadores avancem até a porta do museu para conhecer as exposições em cartaz. Entretanto, essa não é a maior das preocupações das pessoas ouvidas pela reportagem.
Estrutura para melhor acolher a população está no topo das prioridades de quem frequenta os jardins do MAJ. Para Vinícius Ferreira, mais lixeiras e bituqueiras facilitariam a limpeza do lugar, e mais bancos trariam conforto.
– Já fizeram a iluminação, mas precisa muito mais. Ali é um bom local para realizar atividades culturais. O museu também precisaria ser mais bem trabalhado. Pouca gente sabe que ali foi a casa do primeiro jornalista de Joinville. O ponto é fantástico, só precisa ser mais bem aproveitado – opina Domingos Miranda.
Melanie Petters é frequentadora do Museu, junto com a sua cachorrinha Nadia
Melanie Peter acrescenta a necessidade urgente de novos sanitários – hoje, há apenas um banheiro, localizado junto à casa.
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– Quando acontece um piquenique da diversidade, por exemplo, temos mais de mil pessoas ali. Naturalmente, com apenas um banheiro disponível, a coisa fica meio caótica – adverte.
– Além disso, faltam lixeiras. Claro, falta também consciência de uma parcela da população, porém, felizmente, essas pessoas são uma minoria.
Regras e conscientização
Por parte da Prefeitura, há intenção de avançar nesse quesito. Segundo o secretário de Comunicação, Marco Aurélio Braga, novas lixeiras e placas informativas deverão ser instaladas junto ao museu. Acima disso, pretende-se agilizar os serviços de segurança e limpeza terceirizados pelo poder público, mas, para isso, ele quer ser avisado sobre eventos com grande público.
Braga garante que não se pensa em inibir manifestações, mas num tipo de regramento e conscientização para facilitar a manutenção do MAJ.
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– As pessoas têm mais é que ocupar os espaços públicos. Nossa preocupação é com o patrimônio, com a casa em si. Em alguns eventos há consumo de bebida alcoólica e, em certos casos, depredação – esclarece o secretário.
Seja como for, o jardim do MAJ deve ser preservado e cada vez mais valorizado por moradores e poder público e servir de modelo para outros espaços semelhantes de convivência na cidade. Para Ferreira, é preciso ter a perspectiva do tamanho de Joinville, das dificuldades de se locomover nela e da necessidade de se ter mais lugares como o do museu em outros bairros.
– A utilização dos espaços dos jardins do MAJ não é coisa nova, mas traz uma nova roupagem muito mais eletrizante pela atual geração. Retomar o local como ponto de encontro é manifestação legítima e inteligente de ocupação urbana contemporânea – conclui o artista Edson Machado, que viveu a época em que o museu foi o epicentro das manifestações artísticas e de formação de público, nos anos de 1970 e 1980.