Os participantes se aquecem e esperam ansiosamente. O público está agitado. No palco de um amplo centro de convenções está o foco: um único telefone. Ele toca. A Competição Anual Japonesa de Atendimento Telefônico começa.
Continua depois da publicidade
“Como posso ajudá-lo hoje?”, diz em japonês a jovem participante vestida com um uniforme de saia e colete xadrez depois de atender ao telefone com as mãos visivelmente trêmulas. Ela faz as saudações com a voz estridente preferida entre chefes japoneses durante décadas. Mexe a cabeça concordando, sorri e faz uma careta que parece remeter ao nervosismo e a um enorme esforço. “Estou sempre à sua disposição”, diz a candidata.
Por mais de meio século, funcionários de empresas por todo o país se reúnem a cada ano para competir pelo título de melhor atendente telefônico do Japão. A competição, dominada por mulheres, é uma mostra impressionante de educação e eloquência femininas, mas é também um lembrete da posição administrativa que as japonesas – frequentemente chamadas de “mocinhas do escritório” – ainda têm nas empresas do país.
Em 2013, um recorde de 12.613 funcionários de todo o Japão tentaram competir no concurso nacional. Sessenta finalistas conseguiram, entre eles apenas quatro homens. Atualmente no 52º ano, o concurso ganhou popularidade. Esse é um desenvolvimento intrigante em uma era digital dominada por e-mails e mensagens instantâneas, e na qual as japonesas – sempre lentamente – estão encontrando mais oportunidades no ambiente de trabalho.
Continua depois da publicidade
Organizadores do evento, que hoje atrai mais que o dobro do número de competidores de uma década atrás, atribuem essa popularidade à importância duradoura da educação, tanto quanto à crescente preocupação entre empregadores de que os jovens estejam esquecendo os bons modos.
Atendimento telefônico formal é um negócio sério no Japão, com muitas regras com o intuito de evitar momentos ofensivos ou embaraçosos. Uma busca no site japonês da Amazon encontrou mais de 60 livros especializados em modos ao telefone e outras dezenas sobre etiqueta de negócios em geral.
A maioria parecia ser dirigida às mulheres. Um atendente educado atende às chamadas durante o primeiro ou o segundo toque. Se, por motivos inevitáveis, o cliente é deixado esperando durante três toques ou mais, um pedido de desculpas é obrigatório. A conversa em si é levada de maneira formal e honrosa – temperada com frases do tipo: “Estou horrorizado em pedir isso, mas…”. Ao final da chamada, o recepcionista precisa ouvir o cliente desligar antes de encerrar. Desligar primeiro é uma gafe séria.
Continua depois da publicidade
Alguns especialistas dizem às mulheres como falar em um tom de voz mais agudo do que o comum para soar mais feminina e energética.
– Pense na escala musical – dó, ré, mi, fá – e imagine-se falando em fá – aconselhou Akiko Mizuki, especialista em modos nos negócios do AllAbout.com.
– É muito difícil ser educado sem esforço. Se você falar como um robô, não conseguirá deixar o cliente à vontade – explicou Keiko Nagashima, gerente no call center da SBI Securities em Tóquio.
Continua depois da publicidade
A protegida de Nagashima, Mika Otani, treinou durante seis meses para a competição escrevendo respostas-modelo e praticando em frente ao espelho para se certificar de que estava abrindo a laringe e articulando as palavras corretamente. Porém, Mika, de 26 anos, não planeja só seguir a tradição. Ela se considera uma mulher moderna e evita a voz estridente.
– Eu trabalho numa instituição financeira, por isso não quero falar como um personagem de desenho animado – disse Mika.
Essa atitude é um reflexo de como os escritórios japoneses estão mudando lentamente e de como essa transformação tem sido difícil. A chegada de mais mulheres a cargos sênior no ambiente de trabalho teve a ajuda de uma lei de igualdade de 1986, que, pelo menos no papel, proibia a discriminação no trabalho. Ainda assim, praticamente três décadas depois, as mulheres dominam apenas 11% dos trabalhos de gerência no Japão.
Continua depois da publicidade
Premiação luxuosa para quem segue as convenções
Na competição, Mika Otani está entre os primeiros competidores a passar pela conversa de três minutos. Nervosa, ela se senta à mesa no meio do palco onde o pano de fundo é pintado para lembrar um escritório japonês. Com uma mão, ela segura o fone, enquanto usa a outra para marcar o tempo e manter o ritmo.
Os juízes examinam minuciosamente as conversas em busca de uma etiqueta japonesa impecável: bom tom, volume, rapidez, pronúncia, articulação e uso das palavras. Um bom competidor faz pausas adequadas entre as frases e mantém um tom amigável, mas não íntimo. Durante a ligação, deve-se usar frases apropriadas para demonstrar atenção e simpatia. A conversa de Mika acaba sem problemas. Ainda assim, ela lamenta:
– Gostaria de ter a chance de fazer de novo! Eu não estava inteiramente focada e acho que deu para perceber isso.
Continua depois da publicidade
Mika ficou entre as 20 primeiras. Outros participantes engasgam com frases delicadas ou perdem a calma e caem em um terrível silêncio, tirando da plateia suspiros de empatia.
Hidekazu Ishigaki, funcionário da fabricante de ar-condicionado Daikin, teve um desempenho impressionantemente eloquente. Mais tarde, ele diz que as divisões por gênero estão, lentamente, se esvaindo conforme mais mulheres preenchem vagas de gerência. Durante os últimos cinco anos, o número de mulheres em cargos sênior de gerência na Daikin cresceu mais de 50%.
Os outros participantes da Competição Anual Japonesa de Atendimento Telefônico não são páreo para Kiyomi Kusunoki, uma atendente de call center da NTT. O tom, as saudações e as pausas dela são perfeitos. Mais tarde, na luxuosa cerimônia de premiação, com direito a holofotes e uma apresentação de samurais, ela é declarada a melhor atendente do Japão.
Continua depois da publicidade
Foi, de várias formas, uma escolha de outra época, já que Kiyomi seguiu todas as convenções e regras, disseram vários competidores. Mas, pelo menos, não usou uma voz estridente.