Desde domingo em Damasco, capital da Síria, o capitão de Mar e Guerra da Marinha Brasileira Alexandre Mariano Feitosa, 46 anos, integra uma equipe de elite da Organização das Nações Unidas (ONU). Feitosa é um dos sete primeiros observadores ao cessar-fogo acordado com a comunidade internacional. Neles, está depositada boa parte das fichas da ONU para que o plano de paz delineado pelo ex-secretário-geral do organismo Kofi Annan funcione.

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Apesar de ativistas denunciarem que o governo ainda mantém bombardeios eventuais e retarda o trabalho da missão, Feitosa afirma que os observadores avançam “passo a passo”. O grupo tenta liberação do governo para ir a Homs – o que Feitosa acredita que irá ocorrer nos próximos dias – e também tenta articular um encontro com integrantes da oposição.

Ontem, do hotel Sheraton em Damasco, Feitosa conversou com Zero Hora por telefone após as 23h no horário local. O militar – cuja patente equivale a comandante – afirma que o trabalho é intenso e que o preparo de fuzileiro naval lhe permite aguentar uma rotina diária de 3 horas de sono pelo tempo que for necessário.

Zero Hora – Vocês estão conseguindo ter uma dimensão do conflito?

Alexandre Mariano Feitosa – Sim, estamos indo para as cidades, primeiro, as adjacentes a Damasco. Hoje fomos a Daraa (onde ativistas reportaram a agências de notícias bombardeio com dois mortos e dezenas de feridos). Fomos muito bem recebidos pelo governo local, que se colocou à disposição da ONU para a execução de nossas tarefas. Circulamos pelas ruas verificando o cessar-fogo na região. Amanhã, ainda vamos a locais próximos a Damasco, eles chamam Damasco Leste e Oeste. E estamos tentando ir a Homs nos próximos dias, onde ainda estariam havendo violações ao cessar-fogo. É uma preocupação nossa ir a esses locais, mas estamos recebendo uma resposta positiva do governo da Síria.

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ZH – O governo acompanha as visitas?

Feitosa – Sim, é tudo coordenado com o governo da Síria, eles garante a nossa segurança. Eles nos fazem acreditar que estamos em um bom caminho.

ZH – Pode haver “maquiagem”?

Feitosa – Não acreditamos. Vamos a locais onde estavam ocorrendo conflitos. Temos também o objetivo de entrar em contato com líderes da oposição para dialogarmos e chegaremos a um acordo de que há um comprometimento com o cessar-fogo. Estamos confiantes de que da forma com que a situação está evoluindo, a gente consiga concretizar a nossa tarefa.

ZH – Já houve uma reunião com o presidente, Bashar al-Assad?

Feitosa – Ainda não tivemos reunião diretamente com ele. Tivemos muitas reuniões com o Ministério das Relações Exteriores e com as autoridades militares do governo. Tivemos uma receptividade muito boa, eles disseram que querem a ONU aqui, e com isso, a gente tem, sim, esperança de fazer um trabalho que surta um efeito e um final positivo para a paz.

ZH – O cronograma de cessar-fogo não está sendo seguido pelo governo desde o início. Como o senhor avalia o que foi aprovado pelo Conselho de Segurança com o que de fato está ocorrendo?

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Feitosa – Estamos tentando fazer com que este cronograma seja cumprido. Temos relatos de que há lugares onde ainda existe conflito e o cessar-fogo não está sendo seguido da forma como foi solicitado, mas, de uma forma geral, já houve lugares que apresentaram uma melhora muito grande. Então, já é um avanço. Já consideramos um avanço. Então, vamos correr atrás de outros avanços. Por vezes, algum prazo que não é cumprido, fatos isolados, é justamente aí que entra a capacidade que a ONU de fazer com que as partes entendam que elas estão comprometidas com o cessar-fogo.

ZH – As atrocidades cometidas pelo governo sírio ao longo do ano que passou permitem que se acredite realmente na boa vontade que as autoridades dizem ter com a paz?

Feitosa – Até agora, o que a gente conseguiu alcançar não nos leva a duvidar do governo. A ONU sempre atua com imparcialidade. Se detectarmos algo, será reportado. O nosso objetivo é observar e estamos a caminho disso. Não cabe a nós ter a tarefa de julgamento. Eles dizem estar dispostos a fazer um cessar-fogo completo, e ouvir isso já é um sinal de esperança.

ZH – Como está o fluxo migratório de refugiados na fronteira?

Feitosa – No passo a passo do nosso trabalho pretendemos chegar mais perto da fronteira, até Idlib, Aleppo, próximas à fronteira com a Turquia. Vamos, sim, percorrer a esses lugares para então tomar as providências cabíveis.

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ZH – A ajuda humanitária tem chegado às vítimas?

Feitosa – Tivemos uma reunião com equipes de ajuda humanitária. Eles estão trabalhando com dificuldades, mas há bastante trabalho sendo feito. O nosso objetivo é fazer com que chegue ainda mais, mas eles estão trabalhando bastante.

ZH – Quando será possível reunir as partes ao redor de uma mesa?

Feitosa – Vamos passo a passo. Conquistando uma coisinha ali a cada dia. A gente vai tentando fazer com que haja uma situação que leve à paz.

ZH – Se vocês constatarem violação ao cronograma, o que se pode fazer?

Feitosa – As medidas não são conosco. Iremos reportar o que estamos vendo.

ZH – Como o senhor, um brasileiro, descreveria esse conflito?

Feitosa – Acho que nós brasileiros temos o espírito mediador, do entendimento. Hoje tive prova de como os soldados olham para a nossa bandeira e falam de futebol. O Brasil inspira a paz e acho que isso é o principal. Me dá muito orgulho de carregar o nome do Brasil em cima do escudo da ONU, e quando o pessoal vê que sou brasileiro, a feição um pouco mais rígida relaxa. Hoje, um soldado me disse “I love Ronaldo”. Aí se descobre que há como contribuir para que se chegue a um denominador comum.

ZH – Há apoio ao governo nas ruas?

Feitosa – Vimos algumas manifestações pró-governo e outras contra o governo. Mas até agora não presenciamos maiores problemas.

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ZH – As pessoas estão levando uma vida normal?

Feitosa – Hoje fomos a Daraa, a vida estava normal, pelo que vimos. As lojas abertas, as pessoas circulando nas ruas, indo às mesquitas, as escolas funcionando. Não observamos uma alteração nessa cidade.