O cinema nos faz entender a palavra viajar em muitos sentidos. Não há proibição para a imaginação de quem cria e de quem assiste. Há o delírio de alguns dos cinco sentidos, talvez até do sexto. Existe a possibilidade do desvario do verbo. O sentir. Há o sentido literal, o metafórico, o filosófico, o banal, o sem sentido. Talvez sem sentido para uns e cheio de signos para outro.

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Estamos bem habituados com o cinema norte-americano, viajamos para lá por meio da tela e nos acostumamos com o sentido daqueles filmes. Tanto das grandes obras quanto das menores, dentro da infinidade de produções made in USA que invadem nossas salas por aqui.

Treinar o olhar para produções de outras partes do mundo, no entanto, é como renascer. A consciência viaja além da habitual expansão ou se liberta de uma prisão. Em festivais internacionais essa chance aumenta e se você não é uma pessoa muito ligada ao mapa-múndi, pode até se confundir, caso entre numa sessão sem saber muito sobre o que vai ver.

– Onde é isso? Eles são chineses? – perguntaram alguns durante a projeção do filme Ilo Ilo (2013), de Anthony Chen, feito em Cingapura.

Nesses momentos você percebe como sempre pode aprender um pouco mais sobre o mundo.

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Viajei por 23 filmes nesses dias de Mostra. Alemanha, Afeganistão, Israel, Chile, São Paulo atual e dos anos 1950, Estados Unidos, Dinamarca, Holanda, Bósnia, Croácia, Itália. Foram os asiáticos – de Hong Kong, Cingapura, Japão e principalmente das Filipinas – que fizeram a minha cabeça no evento.

Havia também uma retrospectiva do mestre do cinema japonês Yasujiro Ozu que fez, dentre outros, Era uma vez em Tóquio (1953), que está entre os três melhores de todos os tempos segundo a revista inglesa Sight & Sound.

Esta primeira parte do texto já estava pronta quando saíram os prêmios e teria acertado caso tivesse dado meu palpite sobre os asiáticos. Não deu outra: um japonês ganhou o prêmio do público, Pais e Filhos (2013), filmaço de Hirokazu Kore-Eda, e um do Cazaquistão, Lições de Harmonia (2013), dirigido por Emir Baigazin, levou como melhor filme de ficção.

Quase sem querer, graças a um convite de última hora, fui parar na fila para ver Norte, o Fim da História (2013), do realizador filipino Lav Diaz. Quando soube que durava 4h10min pensei em ver só o começo e partir para outra sessão. Mas não saí do cinema, fiquei até o fim e ainda assisti a um breve debate com o diretor, que estava por aqui como jurado do festival. É claro que se a viagem fosse ruim eu teria saído. Mas tinha algo de Crime e Castigo e, com Dostoievski na tela, resolvi ficar até o fim. Em que outra ocasião poderia fazer uma viagem dessas? Certas produções só podem ser assistidas numa sala de cinema.

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O crítico Inácio Araújo escreveu que “filme bom quem faz são os países em crise”. Crise por todos os lados, e os gregos deram o que falar. Consegui ver O Garoto que Come Alpiste (2012), de Ektoras Lygizos, que põe a câmera num jovem desempregado que passa fome. Uma viagem dura, mas importante para compreender como está o país que a gente só conhece pelas belas paisagens do Mediterrâneo. Mas essas não estão nas lentes dos cineastas locais que passaram pela Mostra.

Voltando aos EUA, ao grande cinema feito por lá: o homenageado do evento foi Stanley Kubrick, o diretor que começou a fazer cinema nos anos 1950 e ficou bem conhecido do grande público. 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Laranja Mecânica (1971) são clássicos vistos muito além do universo cinéfilo. Todos os seus filmes foram exibidos em cópias restauradas e sessões concorridas. Uma exposição com material de áudio, vídeo, documentos e objetos de cenas pegou de surpresa até os organizadores, que não esperavam tanto público. Desde a abertura há três semanas 15 mil visitantes já foram ver a exposição Stanley Kubrick no MIS, o Museu da Imagem e do Som.

Não sobrou tempo para essa visita. Mas a exposição fica em cartaz até janeiro – é uma dica para quem vai viajar para São Paulo. Já marquei na agenda, quem sabe conto numa próxima crônica cinematográfica.