A utilização de medicamentos com eficácia não comprovada no tratamento contra o o novo coronavírus, como a cloroquina, a hidroxicloroquina e o vermífugo ivermectina, tem gerado controvérsia entre médicos em Santa Catarina.
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De um lado, grupos de médicos e pacientes defendem a criação de um protocolo para a prescrição de um coquetel com os medicamentos para o chamado tratamento precoce, no início dos sintomas e sob prescrição médica. Este setor já fez um abaixo-assinado com adesão de mais de 300 médicos pedindo ao governo do Estado a definição deste protocolo.
Em campo oposto, outra ala da comunidade médica alerta que os medicamentos não têm comprovação científica e podem representar riscos de efeitos colaterais como arritmia cardíaca, no caso da cloroquina, e uma falsa sensação de segurança à população. Esta semana, foi apresentado um manifesto com mais de 1 mil assinaturas de médicos com esta visão crítica ao uso de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina.
A reportagem do Diário Catarinense conversou com dois médicos que defendem o uso desses medicamentos para entender as razões que os levam a apoiar esses tratamentos.
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Ambos defendem que os remédios possam ser utilizados em pacientes com sintomas iniciais de covid-19, mas ressaltam que essa decisão deve ser tomada apenas em consulta médica, reforçando que a automedicação não é recomendada em nenhuma hipótese.
A endocrinologista Ana Paula Gomes Cunha é uma delas. Ela liderou a elaboração de uma carta enviada à Secretaria de Estado de Saúde, que reuniu a assinatura de 300 médicos catarinenses em defesa do uso do coquetel com medicamentos como a cloroquina e a ivermectina para pacientes com coronavírus.
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Ana Paula reconhece que ainda não há estudos que comprovem a eficácia dos remédios contra a covid-19, mas acredita que a utilização deles pode ser uma alternativa para tratar os infectados e tentar impedir que a doença evolua para quadros mais graves.
— A ideia é que a gente trate o paciente na primeira fase, visando evitar que o vírus cause efeitos inflamatórios no corpo. No caso da ivermectina, é um remédio de baixo custo, e que poderia ajudar nesse tratamento, impedindo a sobrecarga do sistema de saúde. Este é o contexto em que defendemos — afirma.
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A médica também diz que os remédios defendidos pelo grupo já são largamente utilizados em humanos e que a defesa é para que haja um protocolo para alinhar os tratamentos, de modo a impedir que médicos prescrevam doses que possam causar efeitos colaterais nocivos.
— A nossa sugestão é que sejam criadas comissões, e que essas comissões decidam de que forma esses medicamentos possam ser utilizados. Não somos favoráveis, de modo algum, à automedicação. O tratamento deve ser definido pelo médico —pondera Ana Paula.
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Manifesto a favor da cloroquina e ivermectina foi apresentado ao governo
A defesa de um protocolo com medicamentos como cloroquina e ivermectina rendeu até mesmo a elaboração de um abaixo-assinado de 300 médicos catarinenses pedindo que o governo do Estado desse chamado tratamento precoce em pacientes de covid-19.
Em Balneário Camboriú, a adoção de um protocolo com ivermectina provocou divergência na comunidade médica e provocou a saída do secretário municipal da Saúde. Em Itajaí, o município investiu R$ 4 milhões para distribuir ivermectina para a população.
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O também médico Ademar Paes, que preside a Associação Catarinense de Medicina (ACM), adota posicionamento semelhante. Ele afirma que a entidade defende que os medicamentos possam ser utilizados pelos médicos quando os mesmos julgarem que eles são adequados para o paciente em questão.
— O que nós somos contra é a proibição dessa utilização. Somos favoráveis à liberdade do médico para realizar o tratamento do paciente com esses medicamentos quando ele assim considerar adequado e seguro — diz.
Ademar Paes argumenta ainda que as evidências científicas sobre a eficácia desses tratamentos contra a covid-19 são “fracas”, mas ainda assim “não deixam de ser evidências”. Ele pondera, no entanto, que elas dizem respeito ao tratamento de pacientes já infectados, e que não há nenhuma indicação de que os mesmos remédios funcionem como forma de prevenção à covid-19.
— O que a gente precisa deixar muito claro é que o paciente precisa procurar o atendimento médico nos primeiros sintomas, quando poderá ser definido ou não o uso de determinados medicamentos. Mas jamais o paciente deve fazer a automedicação — alerta.
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Entidades e especialistas alertam para riscos das medicações
Apesar de ser defendido por um grupo de médicos, o tratamento com o coquetel de medicamentos que inclui cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina é alvo de questionamentos.
Entidades de saúde já se manifestaram contra a indicação de ivermectina para pacientes com covid-19, a exemplo da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF). Segundo as entidades, a indicação do medicamento contra o novo coronavírus não tem evidências nem base na ciência, além de poder provocar efeitos colaterais severos se administrada com cloroquina e hidroxicloroquina.
Esta semana, um manifesto com mais de 1 mil assinaturas de médicos foi apresentado ao prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, e deve também chegar ao governo do Estado. O documento defende que os tratamentos e profilaxias com esses medicamentos não sejam recomendados por não possuírem evidência científica concreta.
No caso da cloroquina e hidroxicloroquina, o manifesto ainda afirma que as evidências atuais têm associado o uso ao “potencial risco aumentado de arritmias e de parada cardíaca em algumas situações”.
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O médico e ex-reitor da UFSC, Lúcio José Botelho, diz que além dos riscos associados a dosagens incorretas e possíveis efeitos colaterais, os medicamentos também podem acarretar uma falsa sensação de segurança nas pessoas. A confiança de que existe um medicamento que pode reduzir a gravidade da doença, embora não comprovada cientificamente, poderia fazer com que mais pessoas descumpram as normas de distanciamento social.
O manifesto desta semana foca em combater o uso coletivo da medicação, fora da relação médico-paciente.
– A saúde da população é um bem maior. Não vai ser com desinformação ou briga de informação que vamos ganhar alguma coisa – opina Botelho.
Outros especialistas também questionam a adoção da ivermectina como tratamento para covid-19. Um exemplo é a médica Margareth Dalcomo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que em entrevista à colunista Dagmara Spautz afirmou que as doses de ivermectina testadas em laboratório que poderiam reduzir a replicação viral são “dezenas, centenas de vezes mais altas do que aquelas que são tomadas comprando o remédio na farmácia” e que, portanto, a adoção da medicação seria “uma bobagem”.
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O infectologista e coordenador do curso de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Aroldo de Carvalho, também se posiciona contra o uso da ivermectina contra o novo coronavírus. Segundo ele, o motivo é o fato de que não há estudos clínicos que comprovam a eficácia do medicamento no tratamento da covid-19.
– As doses altas passíveis de redução da replicação viral em laboratório, que poderiam atuar contra o vírus, são bem acima das doses recomendadas, seguras para uso em seres humanos. Não há nenhuma comprovação científica do uso clínico precoce, por isso não sou a favor – defende.
Ele explica que hoje o médico já tem liberdade para receitar ao paciente o uso da ivermectina se considerar que o medicamento pode ajudar, mas ressalta que ao fazer isso, o profissional assume a responsabilidade de eventuais efeitos colaterais provocados ao paciente.
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Estado não adota protocolos de tratamento para uso precoce
Questionada pela reportagem do Diário Catarinense sobre qual a orientação do Estado sobre o uso da ivermectina, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) respondeu que “não adota como política pública protocolos de medicamentosos específicos de tratamento para uso precoce na covid-19 que não estejam autorizados pelos órgãos reguladores (uso off-label)”.
No entanto, a secretaria disse entender que a prescrição de qualquer medicamento é prerrogativa médica e que “o tratamento do paciente portador de covid-19 deve ser baseado na autonomia do médico e na valorização da relação médico-paciente”.
Em entrevista à CBN Diário esta semana, o secretário de Saúde de SC, André Motta Ribeiro, deu mais detalhes sobre a conduta do Estado frente a essas medicações.
– Nós defendemos a liberdade de escolha do tratamento dos médicos e pacientes. Em alguns casos, existe indicação de uso, em outros não. Não temos protocolo para isso, pois protocolo só quando é chancelado por órgão que regulamenta. Tudo é muito novo. Tudo é controverso. É uma pandemia única na história da humanidade. Se for recomendado pelo médico, vamos distribuir – afirmou.
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